segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O saddam dos bálcãs

Revista Isto É Nº 1530 – 27 de janeiro de 1999
I U G O S L Á V I A
O saddam dos bálcãs
As tropas de Slobodan Milosevic cometem novas atrocidades no Kosovo, a Otan ameaça atacar e acordo de paz na região fica mais difícil

EDUARDO FERRAZ

A vida lhe foi cruel. Primeiro, foi seu tio que se suicidou. Depois, ele viu seu pai se matar com um tiro e sua mãe enforcar-se no meio da sala de estar. Ninguém naquela pequena cidade do interior da Sérvia estranharia se ele resolvesse seguir o exemplo da família. Mas, não. Para a infelicidade de seus compatriotas, Slobodan Milosevic quis viver. Hoje, aos 57 anos, ele é presidente do que restou da Iugoslávia e continua a demonstrar uma obsessão em se vingar de sua história. Está agarrado ao poder há 11 anos, época em que, com um poderoso aparato de propaganda, ensinou os sérvios a odiar os vizinhos de outras etnias. Foi o principal mentor da guerra civil na Bósnia, conflito que ressuscitou horrores não vistos na Europa desde Adolf Hitler, como campos de concentração, genocídio e faxina étnica. Agora, Milosevic dá sinais de que quer repetir a dose na província separatista do Kosovo, onde 90% da população é formada por pessoas de origem albanesa e muçulmana.

Desde fevereiro do ano passado, forças de segurança sérvias enfrentam rebeldes do Exército de Libertação do Kosovo (ELK) e, sob esse pretexto, também torturam e matam civis. O terror sérvio provocou um êxodo de mais de 100 mil pessoas. Em outubro, graças à intervenção diplomática ocidental e a ameaça militar da Otan, conseguiu-se estabelecer uma trégua nos combates, para que se tentasse costurar um acordo de paz na região. Cerca de 750 observadores da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) entraram na província para garantir um cessar-fogo e conseguiram, se não eliminar os conflitos, diminuí-los consideravelmente. Nos últimos dias porém, tudo voltou à estaca zero. Na sexta-feira 15, os habitantes da pequena aldeia de Racak, 24 quilômetros ao sul da capital provincial, Pristina, foram alvo do pior massacre de que se tem notícia na região. Segundo os sobreviventes, as forças de segurança sérvias chegaram ao local e separaram 45 pessoas, incluindo velhos, uma mulher, um bebê de 3 meses e um garoto de 12 anos. Em seguida, levaram o grupo para um morro próximo, onde todos foram assassinados, a maioria com tiros à queima-roupa na cabeça. Alguns tinham os olhos retirados da órbita, uma acontecimento comum entre vítimas dos sérvios. Os aldeões restantes, cerca de 60, conseguiram se refugiar numa caverna da montanha. No mesmo mês em que a Europa unifica sua moeda, os habitantes do Kosovo voltam às cavernas porque crêem que ninguém pode ajudá-los.

O chefe da Missão de Verificação, o diplomata americano William Walker, foi veemente na condenação ao ataque, que classificou como crime contra a humanidade. Seria de se esperar que Milosevic ordenasse uma investigação do massacre, com o auxílio dos membros das organizações internacionais. Mas, novamente, Milosevic optou pelo confronto. Decretou a expulsão de Walker, negou a entrada no país de Louise Arbour, procuradora-chefe do Tribunal de Crimes de Guerra das Nações Unidas, e, ainda, manteve a movimentação das forças sérvias na região, num flagrante desafio ao acordo de trégua. Assim, ao mesmo tempo que deixou mais distante a possibilidade de uma solução negociada para o conflito, voltou a brincar de gato e rato com a Otan, que colocou aviões e navios em estado de alerta. Ao final da semana, diante das ameaças de ataques aéreos da Otan e da possibilidade de todos os observadores internacionais deixarem o país, Milosevic voltou atrás na decisão de expulsar Walker. Com avanços e recuos, bem ao estilo do ditador iraquiano Saddam Hussein, o líder sérvio manipula os ocidentais e ganha forças, dentro de casa, para se manter no poder, coisa que se tornou sua especialidade. Continua, desta forma, a ser uma dor de cabeça para europeus e americanos e um fantasma a assombrar seus vizinhos.

Croácia nasceu de violenta guerra


Croácia nasceu de violenta guerra

Vida Global Terça-feira, 13 de Junho de 2006

A Croácia, que enfrenta hoje o Brasil pela Copa do Mundo, é um jovem país nascido das guerras que destruíram a antiga Iugoslávia, criada pelo marechal Josip broz Tito, líder comunista e da resistência antinazista na Segunda Guerra Mundial. Com 4,5 milhões de habitantes e produto interno bruto de US$ 55 bilhões, é um dos países mais jovens do mundo.

Sua independência foi conquistada a ferro e fogo, em 1991. Por isto, o terceiro lugar na Copa de 1998 foi tão festejado. Era uma afirmação da nacionalidade. Mas o nacionalismo croata chegou a ter um caráter fascistóide por causa da guerra e da rivalidade histórica com a Sérvia.

Tito, um croata, conseguiu criar uma federação de seus repúblicas (Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Eslovênia, Montenegro e Macedônia) reprimindo os nacionalismos em nome do internacionalismo socialista. Desde sua morte, em 1980, esperava-se a desintegração da Iugoslávia.

Ela viria com o colapso do comunismo, que abriu caminho para o ressurgimento do nacionalismo nos Bálcãs com a mesma virulência que deflagara a Primeira Guerra Mundial. O principal responsável foi o ditador sérvio Slobodan Milosevic, que assumiu o controle do Partido Comunista da Iugoslávia em 1986.

Com o declínio da ideologia comunista, já em 1987 Milosevic começou a fomentar o nacionalismo sérvio como forma de consolidar seu poder. Num famoso discurso na província sérvia do Kossovo, de maioria albanesa, ele afirmou que “os sérvios não mais se curvariam”.

Foi o sinal para desatar os nacionalismos longamente reprimidos. A Sérvia, a mais forte das repúblicas iugoslavas, começava a mostrar suas garras. Ivan Stambolic, o líder comunista que Milosevic derrubara, diz que naquele dia a Iugoslávia acabou.

Milosevic presidiu a Sérvia de 1989 a 1997 e o que restou da Iugoslávia de 1997 a 5 de outubro de 2000, quando foi derrubado por uma revolução. Neste período, foi o anti-Tito, presidindo à dissolução sangrenta da Iugoslávia.

Em março de 1991, quando a população sérvia saiu às ruas para protestar contra a falta de democracia e de liberdade de expressão, Milosevic fomentou uma revolta da maioria sérvia na província croata da Krajina. Lá começaram as guerras que destruíram a Iugoslávia e terminou a luta pela independência da Croácia.

Os sérvios eram maioria na Krajina, onde se refugiaram depois de sua histórica derrota para o Império Otomano na Batalha do Kossovo, em 28 de junho de 1389, que eles comemoram até hoje, como um marco da nacionalidade e um símbolo da vitimização histórica.

Nesta mesma data, em 1914, um estudante radical sérvio, Gavrilo Princip, matou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, nas ruas de Sarajevo, deflagrando a Primeira Guerra Mundial.

A Croácia e a Eslovênia foram as duas primeiras repúblicas iugoslavas a proclamar sua independência, em 25 de junho de 1991, com base na Constituição da Iugoslávia de 1974, que lhes garantia este direito. Se o Exército Federal da Iugoslávia reagiu primeiro na Eslovênia, a guerra foi rápida porque não havia uma população sérvia significativa.

Na Croácia, além da maioria sérvia na Krajina, havia uma presença sérvia na Eslavônia Oriental, junto à fronteira Leste, com a Sérvia. A guerra foi particularmente brutal na cidade de Vukovar, com atuação de esquadrões da morte sérvios e do notório terrorista Zeljko Raznatovic, conhecido como Arkan.

Em dezembro de 1991, depois da reunião de cúpula que criou a União Européia em Maastricht, na Holanda, a Alemanha, tradicional aliada da Croácia, rompeu com a recém-criada política externa comum européia. Decidiu reconhecer as independências da Croácia e da Eslovênia. Isto transformaria a guerra na Croácia numa questão internacional e não numa guerra civil, permitindo a intervenção de organizações internacionais.

Ao mesmo tempo, provocou a realização de um plebiscito na vizinha Bósnia-Herzegovina, a mais multiétnica das repúblicas iugoslavas, com 44% de muçulmanos, 31% de sérvios e 25% de croatas. A guerra da Bósnia foi a mais sangrenta na Europa desde 1945. O conflito começou logo depois da independência, aprovada em 1º de março de 1992.

Com a superioridade militar sérvia, Sarajevo foi sitiada e bombardeada durante anos. A política externa européia mostrou-se impotente e o presidente dos Estados Unidos, George Bush, pai, não queria se envolver em guerras na Europa no ano em que disputava a reeleição. Na geopolítica pós-Guerra Fria, a solução de conflitos na Europa cabia à UE.

Mas a UE se mostrou impotente e o presidente Bill Clinton percebeu que só os EUA poderiam acabar com o conflito. Os EUA armaram e treinaram o Exército da Croácia, violando o embargo das Nações Unidas que proibia a venda de armas para as ex-repúblicas iugoslavas, o que na verdade cristalizava a supremacia sérvia.

Foi uma ofensiva croata para retomar a Krajina, em agosto de 1995, que quebrou o mito da invencibilidade sérvia e criou um equilíbrio de forças no campo de batalha que levou os presidentes da Sérvia, Milosevic; da Croácia, Franjo Tudjman; e da Bósnia-Herzegovina, Alija Izetbegovic, a negociar o acordo de paz de Dayton, Ohio, em novembro de 1995, sob pressão dos EUA, da UE e da Rússia.

Uma nova guerra se iniciaria com o surgimento, em junho de 1996, do Exército de Libertação do Kossovo para lutar contra a dominação sérvia sobre a maioria albanesa. A violenta repressão ordenada por Milosevic levou à Guerra do Kossovo.

Por 78 dias, a partir de 24 de março de 1999, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, que interviera na Guerra da Bósnia, bombardeou a Iugoslávia (agora formada apenas pela Sérvia e Montenegro), até a rendição de Milosevic, que seria deposto no ano seguinte e entregue ao Tribunal de Crimes de Guerra para a Iugoslávia, em Haia, na Holanda, onde morreu em 11 de março de 2006.

Dos 161 réus processados pelo tribunal, a grande maioria é sérvia. Mas há também diversos croatas. A Sérvia reclama que a retomada da Krajina, onde viviam cerca de 200 mil sérvios, foi a maior operação de “limpeza” étnica das guerras que destruíram a Iugoslávia. Em quatro dias, atesta o tribunal de Haia, 150 a 200 mil sérvios fugiram da Croácia.

Guerra civil na Iugoslávia

Guerra civil na Iugoslávia

- Um dos maiores dramas da Europa Oriental no final do século XX teve como palco a Iugoslávia, nação erguida no pós-guerra com a união de seis repúblicas (Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Montenegro e Macedônia), além de duas províncias autônomas (Kosovo e Voivodina).
- Desde 1945, o país vivia sob o regime comunista, estabelecido pelo ditador Josip Broz, o marechal Tito, que fundou a República Federal Socialista da Iugoslávia. Após sua morte, em 1980, os comunistas começaram a perder o controle do país. As divergências entre a Sérvia, principal república da Iugoslávia, e as demais regiões se agravaram.
- Em 25 de junho de 1991, depois de um plebiscito, a Eslovênia e a Croácia declararam independência. Slobodan Milosevic, eleito presidente da Sérvia em 1989, não aprovou a autonomia das duas repúblicas e teve início uma sangrenta guerra civil.
- Poucos dias após o início dos ataques à Eslovênia – primeira república a ser bombardeada pelo Exército iugoslavo controlado pelos sérvios –, o correspondente Silio Boccanera e o cinegrafista Luiz Demétrio Furkin foram para Liubliana, capital eslovena.
- Durante uma semana, a equipe da TV Globo enviou matérias para seus principais telejornais mostrando a situação do país durante o conflito entre as forças locais e as tropas federais. Os repórteres foram até o aeroporto da cidade, onde eram grandes os estragos causados pelos bombardeios. Nas estradas ao sul da Eslovênia, ficaram no meio do fogo cruzado, mas conseguiram captar imagens impressionantes dos ataques da Força Aérea iugoslava sobre os rebeldes eslovenos.
- Em 8 de julho de 1991, a Iugoslávia firmou acordo de paz com a Eslovênia. Logo em seguida, entretanto, o exército invadiu a Croácia e, com a ajuda das milícias sérvias locais, passou a ocupar um terço de seu território. A Globo não enviou nenhum correspondente internacional para a Croácia, e a cobertura da emissora foi feita basicamente com imagens produzidas pelas agências de notícias internacionais.
- A Comunidade Européia e a ONU intervieram no conflito, que durou até janeiro de 1998, quando os territórios ocupados pelos sérvios foram entregues definitivamente à administração croata.
- Seguindo os passos da Eslovênia e da Croácia, a Bósnia-Herzegovina também declarou sua independência. Num referendo realizado em fevereiro de 1992, a maioria da população votou a favor da soberania, enquanto os sérvios defenderam a permanência da república na Iugoslávia. Com isso, começaram os confrontos em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, em que muçulmanos, croatas e sérvios destruíram-se uns aos outros. A Iugoslávia não participou oficialmente do conflito, mas forneceu apoio financeiro e militar às milícias sérvias, que rapidamente controlaram mais da metade da república. Iniciou-se uma “limpeza étnica” das áreas ocupadas, e campos de concentração começaram a surgir. A situação em Sarajevo chamou a atenção da comunidade internacional, que via todos os dias imagens chocantes do conflito. A população civil da Bósnia estava sendo dizimada, praticamente ao vivo, diante das câmeras das inúmeras redes de televisão.
- A guerra na Bósnia completou um ano em abril de 1993. Naquele momento, já havia 135 mil civis mortos, sendo três mil crianças. Mais de um milhão de refugiados não tinham para onde ir.
- Em 11 de abril o Fantástico exibiu a reportagem de Pedro Bial e o cinegrafista Sergio Gilz que acompanharam um dos vôos noturnos promovidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) para lançar alimentos e medicamentos para a população bósnia, numa operação batizada de “Promessa de Prover”. No avião, que voava a uma altitude de três mil metros para evitar os bombardeios, os correspondentes aprenderam noções básicas de pára-quedismo e tiveram que usar máscaras de oxigênio nos momentos em que os mantimentos eram lançados. Para registrar a missão, o cinegrafista foi amarrado a um cabo que permitia que ele chegasse à ponta da rampa, quando a parte traseira do avião se abria para o lançamento das caixas. O vôo partiu da Alemanha e durou seis horas e meia, duas delas sobrevoando a Bósnia.
- Pedro Bial e Sergio Gilz presenciaram de perto os horrores da guerra quando foram enviados para Sarajevo, em julho 1994. Os dois saíram de Zagreb, capital da Croácia, em um avião da ONU, junto com as tropas de paz.
- Sérgio Gilz lembra o episódio: “Havia sempre a possibilidade de o avião ser alvejado, o que nos obrigava a tirar uma das proteções extras dos coletes à prova de bala que tínhamos nas costas e peito e sentar sobre ela. Na chegada, o avião taxiou bem próximo a uma proteção de sacos de areia para que pudéssemos sair com um risco menor de sermos atacados pelas tropas sérvias. O caminho do aeroporto para o hotel era a parte mais difícil. Nesse momento, ficávamos mais tempo expostos aos franco-atiradores”.
- Durante cerca de 20 dias, a equipe da TV Globo percorreu a capital da Bósnia, completamente devastada pelas bombas lançadas sobre a cidade em dois anos de conflito. Apesar de, na época, ter sido estabelecido um cessar-fogo entre sérvios e muçulmanos, diariamente esse acordo era violado. Munidos de capacete e colete à prova de bala, cinegrafista e repórter percorreram as trincheiras acompanhados por militares brasileiros que faziam parte da força de paz da ONU. Em uma dessas ocasiões, uma bomba explodiu a cerca de 20 metros do local onde estavam.
- Bial e Gilz registravam momentos dramáticos da população de Sarajevo. Da janela do hotel onde ficavam, puderam gravar imagens de uma das mais perigosas avenidas da capital, que ficou conhecida como “Sniper’s Avenue” (avenida dos franco-atiradores). Homens, mulheres, idosos e crianças atravessavam a rua correndo, temendo serem alvos dos atiradores, que não poupavam ninguém.
- No final de 1995, depois de quase quatro anos de guerra civil na Iugoslávia, chegou-se finalmente a um acordo, conhecido por “Acordo de Dayton”, cidade norte-americana onde foram realizadas as negociações. O conflito na Bósnia deixou 250 mil mortos e 2,5 milhões de refugiados.
- Em 21 de novembro, dia em que foi anunciado o acordo de paz, o Jornal Nacional encerrou seu noticiário com uma edição das imagens que marcaram o mundo durante aqueles quatro anos ao som da música Miss Sarajevo, cantada por Luciano Pavarotti e Bono, vocalista da banda irlandesa U2. A canção pedia paz.
- Dez anos depois, em 13 de dezembro de 2005, o Bom dia Brasil apresentou uma série de cinco reportagens, produzidas pelos enviados especiais Marcos Uchôa e Sérgio Gilz, sobre a situação na Bósnia. A primeira delas analisou a formação da antiga Iugoslávia e traçou o histórico de “uma das guerras mais sangrentas do século XX”. A série revelou, ainda, que dez anos não tinham sido suficientes para curar as feridas e que, mesmo após a volta para casa de milhares de refugiados, o país continuava dividido.
- Em 11 de março de 2006, conforme noticiado no Jornal Nacional, Slobodan Milosevic, “o carniceiro dos Balcãs”, foi encontrado morto no centro de detenção do Tribunal de Haia, na Holanda, onde respondia a processos por crimes contra a humanidade. O correspondente Roberto Kovalick informou que o homem “responsável pelos maiores genocídios na Europa depois da II Guerra Mundial” morreu em sua cela, aparentemente, de causas naturais.

Saiba tudo sobre a guerra nos Balcãs


Não é a primeira vez que os sérvios – ou iugoslavo fazem uma limpeza étnica nos Bálcãs. Antes dos albaneses kosovares, as vítimas foram os croatas e os bósnios, principalmente os muçulmanos, cuja religião foi herdada do longo domínio turco otomano na região até pouco antes da Primeira Guerra Mundial.
Aliás, os sérvios já estiveram envolvidos na deflagração da Primeira Guerra. Foi um estudante sérvio chamado Gavrilo Princip, pertencente a uma associação secreta conhecida como "Mão Negra", quem assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria. O atentado bem sucedido, ocorrido na cidade de Saraievo na Bósnia, culminou com a declaração de guerra contra a Sérvia por parte do Império Austro-Húngaro. Os países europeus foram, um a um, arrastados para o conflito que durou quatro anos, de 1914 a 1918.
A região sempre foi um barril de pólvora e até hoje possui um baixo padrão de vida. O que mantinha a antiga Iugoslávia coesa era a mão de ferro do Marechal Tito. Mas sua morte em 1980 abriu espaço para a manifestação de nacionalismos reprimidos durante muito tempo. Eslovênia, Croácia, Bósnia e Macedônia conseguiram, a muito custo, desvencilhar-se da dura dominação sérvia.
O atual conflito possui raízes no começo do século e isso pode ser sabiamente explorado pelos examinadores nas provas de História. É recomendável estudar a hegemonia que os turcos otomanos já exerceram na região, as guerras balcânicas contra a Turquia, a Primeira Guerra, os fatores que contribuíram para sua eclosão, a formação da Iugoslávia em 1945, a vida do Marechal Tito, o pan-eslavismo (união de todos os povos eslavos sob a batuta de Moscou), a influência soviética na península balcânica após a Segunda Guerra, etc.

As Guerras Balcânicas
Entre 1912 e 1913, acontece a chamada “Guerra dos Balcãs”, que envolveu várias nações e províncias do leste europeu. Sérvia, Montenegro, Grécia e Bulgária uniram-se contra a Turquia, com o objetivo de expulsar os turcos otomanos da região, que dominavam a Macedônia, que pertenceria à Sérvia. A tendência de expansionismo da Sérvia também buscava anexar a Albânia. A Áustria, no entanto, interveio e conseguiu o reconhecimento da independência da Albânia, impedindo o expansionismo sérvio.
Estes conflitos se desencadearam na 1ª Guerra Mundial, e na formação prévia do chamado ''pan-eslavismo, que foi um movimento que visava agregar as nações na chamada Grande Sérvia. Em outras palavras, caracterizava o interesse hegemõnico do expansionismo Sérvio na região, com o apoio posterior da URSS stalinista. O final da Primeira Guerra e o desmembramento do Império Áustro-Húngaro, resultou na unificação dos territórios da Croácia, Eslovênia e Bósnia-Herzegovina com os da Sérvia e Montenegro. Nasce aí o chamado Reino da Sérvia, Croácia e Eslovênia.Durante a 2º Guerra Mundial, em 1941, a Yoguslávia assina um pacto de amizade com a URSS. A Alemanha, Itália, Hungria e Bulgária, então, invadiram a Yoguslávia, aproximando-se da Croácia, que fazia oposição e desejava a separação, o que os levou a uma aproximação dos croatas com a Alemanha.

Uma Guerra civil se instaurou na região.
Não apenas étnico, este episódio também pode ser visto como um conflito político. O sentido geo-político do conflito civil nos balcãs era claro, porém, “maquiado” pela justificativa de um conflito étnico. Havia, claro, interesses econômicos e territoriais.
Com o fim da 2º Guerra Mundial, é proclamada a República Federativa da Yoguslávia, ligada ao bloco socialista. Até o início da década de 1990 foi mantida tal ordem, baseada em um pensamento unitário (de partido único), influenciado pelo stalisnismo.
Ao longo dos anos foi produzida na região uma grande insatisfação popular, que explodiria durante a década de 1990.
De fato, a pluralidade da unitária Iugoslávia deve ser levada em conta: são cinco grupos eslavos (eslovenos, montenegrinos, croatas, sérvios e macedônicos); dois alfabetos (cirílico e latino); três línguas (esloveno, macedônico e sérvo-croata); quatro religiões (católicos, protestantes, ortodoxos e muçulmanos); e seis repúblicas federadas.
Em 1991 iniciou-se a fragmentação da Iugoslávia: Croácia e Eslovênia declararam suas independências. A Bósnia, em 1995, após três anos de guerra, conquista também a sua independência. A guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995, mostra a divisão étnica do país, além de fazer saltar aos olhos os interesses econômicos por trás dos conflitos.
Na segunda metade da década de 1990, a Guerra de Kosovo intensificaria os conflitos na região. Desde desmembrada a Iugoslávia, sérvios e albaneses se digladiam na região do Kosovo, que luta para conseguir sua independência da Sérvia.
Depois dos bombardeios da Otan à Belgrado, em 1999, os líderes ocidentais e Slobodan Milosevic chegaram a acordo para colocar fim aos conflitos. As tropas sérvias seriam retiradas, com a formação de uma força internacional de paz no Kosovo.
por Professor Renato Amaral e André Rabini

Das guerras balcânicas ao reinado de Alexandre 1º

Das guerras balcânicas ao reinado de Alexandre 1º

Érica Turci*


Esp ecial par a a Página 3 Pedagogia & Comunicação



No início do século 19, a Península Balcânica estava dividida entre o Império Turco-Otomano - que controlava a Sérvia, a Macedônia, o Kosovo e o Montenegro (ou seja, o sul e o leste) - e o Império Austro-Húngaro, que dominava a Eslovênia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina e a Voivodina (ou seja, o norte e o oeste).

Além disso, depois de várias décadas de conflitos entre austro-húngaros, turcos e eslavos, de inúmeras migra ções dos sérvios, da conversão de uma parte da popula ção eslava ao islamismo e da migração dos albaneses para Kosovo, a região se transformou numa enorme confus ão de povos:

A Grande Sérvia

No século 19, a Europa passou a ser palco de inúmeros movimentos nacionalistas. Nos Bálcãs se difundiu o pan-eslavismo, uma forma de nacionalismo que defendia a independência e a união dos eslavos.

As duas primeiras regiões eslavas que conseguiram a independência foram a Sérvia e o Montenegro, em 1878. A partir de então, o nacionalismo cresceu entre os sérvios, que queriam a formação da Grande Sérvia: um Estado que englobasse todos os povos eslavos dos Bálcãs, inclusive pelo fato de que os vários territórios da região abrigavam minorias sérvias.

Nesse clima nacionalista, entre 1912 e 1913 estouraram as Guerras Balcânicas, transformando as fronteiras e as relações políticas da região. Os turcos, muito enfraquecidos há anos, perderam o controle sobre os Bálcãs, enquanto que a Sérvia incorporou a Macedônia e o Kosovo.

Além disso, na Bósnia-Herzegovina, terroristas que apoiavam a formação da Grande Sérvia promoviam atentados contra o Império Austro-Húngaro. Em junho de 1914, um atentado acabou por assassinar Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro.

Tal incidente foi o estopim para o início da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), pois os austro-húngaros declararam guerra à Sérvia, enquanto a Rússia apoiou os sérvios. A Alemanha, aliada do Império Austro-Húngaro, invadiu a Bélgica, a fim de forçar a Grã-Bretanha e a França, aliadas da Rússia, a entrarem na guerra.

O Reino da Sérvia, Croácia e Eslovênia

No final da 1ª Guerra, croatas e eslovenos sugeriram a formação de uma "Iugoslávia", ou seja, um Estado dos "eslavos do sul", pois queriam se ver livres do domínio dos austríacos e húngaros. Tal Estado foi pensado por eles "(...) para não nos submetermos de forma alguma aos Bálcãs, que são uma extensão da Ásia. Nosso dever é europeizar os Bálcãs, e não balcanizar croatas e eslovenos" (Etienne Radic, político croata).

As diferenças culturais dos "eslavos do sul" eram enormes: Eslovênia e Croácia estavam mais ligadas à Europa e, por esse motivo, em constante mudança para se adaptarem à economia de mercado e à expansão capitalista, enquanto a Sérvia guardava os traços culturais da Ásia Menor, mais conservadora e fechada à influência capitalista européia.

Mas esses pormenores não foram levados em conta pelos países vitoriosos da 1ª Guerra (Grã-Bretanha, França e Estados Unidos) quando, nos tratados do pós-guerra, dissolveram o Império Austro-Húngaro, garantindo a formação de um novo país no sudeste europeu: o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, com capital em Belgrado (capital da Sérvia), sendo o rei da Sérvia, Alexandre 1º, o governante do novo reino.

O novo Estado englobava a Sérvia (Macedônia e Kosovo já faziam parte dos domínios sérvios), o Montenegro, a Eslovênia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina e a Voivodina, formando o que era, aparentemente, o anseio dos povos eslavos, mas que resultou no domínio da Sérvia sobre a região, exatamente o contrário do que havia sido proposto pelos croatas e eslovenos.

A primeira Constituição do reino, votada em 1921, não agradou a grande maioria dos eslavos, fazendo com que as disputas nacionalistas levassem a graves conflitos étnicos: os sérvios, espalhados por todo território, passaram a ser atacados por eslovenos, bósnios e croatas, que lutavam por autonomia.

Aproveitando essa situação crítica, Alexandre 1º suspendeu a Constituição e impôs uma ditadura (1929), batizando o reino de Iugoslávia e impondo a nacionalidade iugoslava como a única aceita pelo novo Estado, contando que, dessa forma, anularia a fragmentação histórica, cultural e nacional dos diversos povos.
ISTO É 15795 de janeiro de 2000


N A C I O N A L I S M O S
Nova desordem mundial

Além dos conflitos étnicos espalhados pelo planeta, há enigmas como a ameaça da grande nação islâmica e até a maioria latina nos EUA

KÁTIA MELLO

O grande desafio para as lideranças políticas do século XXI é como lidar com a questão do renascimento do nacionalismo. Ao contrário do que algumas cabeças pensantes apressadamente imaginaram, a globalização da economia, a internacio-nalização das instituições políticas e a difusão de uma cultura universal pelas diferentes mídias não eliminaram a realidade do Estado-nação, muito menos a da diversidade cultural. Pior: no final deste século, o separatismo espraiou-se como um rastilho de pólvora, trazendo à tona questões que até a guerra fria pareciam adormecidas, como, por exemplo, a identidade, o direito de um grupo e o direito de um indivíduo, contrapostos entre si. Se o fantasma da destruição nuclear foi amenizado, emergiram as múltiplas guerras civis, expressões de velhas rixas étnicas e religiosas.

A consequência aterrorizadora da febre nacionalista foram os genocídios justamente na era em que a humanidade parecia dar mais importância à consolidação dos direitos do homem. Em Ruanda, nada menos do que um milhão de pessoas, a maioria da etnia tutsi, foram massacradas, num banho de sangue que mereceu pouca atenção da mídia. Algumas dessas explosões de ódios étnicos desencadearam a destruição dos Estados nacionais e estremeceram conceitos que pareciam já estar estabelecidos, como a idéia de fronteira, explica o sociólogo catalão Manuel Castells. A Indonésia, por exemplo, por muitos anos tida e havida como um Estado unitário, está à beira de um esfacelamento. Não apenas o Timor Leste, ocupado manu militari pelos indonésios em 1975, mas também regiões inteiras, como a província de Aceh. Já a Bósnia-Herzegovina, palco de um pavoroso processo de “faxina étnica”, era um Estado completamente artificial, criado no regime comunista, cujas divisões étnicas e culturais remontam à Antiguidade.

O nacionalismo, que nas suas origens tinha por objetivo consolidar a identidade de um Estado-nação, transformou-se muitas vezes neste século em instrumento de manipulação de líderes políticos interessados em reforçar seu poder. Onde há desmoronamentos de regimes e onde há relações sociais instáveis, ou seja, onde a sociedade se sente insegura, ter uma língua e uma cultura em comum são razões para acreditar que o nacionalismo é a saída. E é exatamente aí que mora o perigo: a exclusão de minorias ameaçadas pelo poder dessas maiorias étnicas, uma variante da famosa “tirania da maioria” de que falava Alexis de Tocqueville.

O sérvio Slobodan Milosevic é exemplo claro de como um líder demagógico conseguiu catalisar os anseios e descontentamentos de um povo em um movimento nacionalista em benefício próprio. No caso da guerra da Bósnia-Herzegovina, sérvios cristãos-ortodoxos, croatas católicos e bósnios muçulmanos estavam amarrados durante décadas pela camisa-de-força de uma ditadura. O historiador britânico Erich Hobsbawn alerta para o fato de que não foram apenas as velhas disputas étnicas que desencadearam os separatismos balcânicos e do Cáucaso. “O que acirrou estes problemas não foi a força do sentimento nacional e sim a desintegração do poder central.”

A propalada nova ordem mundial, então, poderia ser considerada como a “nova desordem mundial”, com embates violentos e cicatrizes nas sociedades que poderão levar décadas para serem curadas. O mundo comporta hoje cerca de 40 conflitos que acontecem desde nossa vizinha Colômbia, passando pelos bolsões de miséria na África e entrando na alma do coração da Europa. E as correntes migratórias acabam deflagrando conflitos depois de algumas décadas. Ainda não sabemos, por exemplo, qual será o destino de um milhão de judeus russos que aportaram nos últimos anos no Estado de Israel, que abriga seis milhões de pessoas.

E como fica então o conceito de minoria? No caso dos albaneses, eles são a maioria perseguida dentro do Kosovo. Porém, eles já possuem o seu próprio Estado. Hoje, o planeta abriga cinco mil povos e apenas 217 Estados-nações. E podemos até assistir ao surgimento de novos Estados, como o Timor Leste e a Escócia, mas as Nações Unidas não estão interessadas em aprovar uma série de outras formações num processo global em que acontecem outros tipos de reagrupamentos.

Sem dúvida nenhuma, o desmantelamento da União Soviética e da Iugoslávia veio como efeito dominó para várias nações. Os curdos na Turquia, os ogonis na Nigéria, os tutsis em Ruanda são alinhavados por um objetivo em comum: a autodeterminação nacional. Sem esquecer os palestinos em Israel. Essa autodeterminação tende a crescer na medida em que aumenta a interdependência econômica, a formação dos blocos econômicos – como a União Européia e o Mercosul – e as uniões políticas que se integram no mundo globalizado. Isso porque acredita-se que nacionalidades que conseguem constituir-se em Estados têm mais chances de participar do sistema global.

Nesta configuração mundial desordenada, figuram ainda as sequelas da colonização nos países africanos, que desde o processo de independência dos anos 50 e 60 vêm desembocando em conflitos sangrentos. Porém, o mundo parece não prestar atenção quando os interesses econômicos não batem à porta das grandes potências, como é o caso de Serra Leoa e de Angola. Por isso, é muito pouco provável que, no curto prazo, alguma coisa seja feita para aliviar guerras de muitas décadas que provocam desastres assombrosos como a luta entre cristãos e muçulmanos na Somália.

A idéia de uma grande nação islâmica ainda sacode mais os limites do que pode ser chamado de Estado. O fracasso das tentativas de modernização, como a conservadora no Irã ou a nacionalista laica na Argélia e no Egito, fez com que o islamismo surgisse como elemento aglutinador das massas desvalidas. Na Constituição do Irã, por exemplo, está escrito que “todos os muçulmanos constituem uma única nação”. Apesar das recentes exigências da própria sociedade iraniana por mudanças, o islamismo continua sendo um elemento agregador. E a concretização de uma identidade islâmica desponta também em setores marginalizados dos países industrializados: na juventude francesa originária do Norte da África ou entre os turcos na Alemanha.

Até onde há uma forte identidade nacional, como nos Estados Unidos, as minorias estão revendo seus papéis. O conceito de cidadão americano está mudando à medida que as chamadas minorias desenham um novo mapa populacional no país. Os latinos, por exemplo, serão maioria até o ano 2025.

O Estado-nação ainda deve perdurar com legitimidade como unidade política no século XXI. Entretanto, não será uma surpresa se o mundo tiver de lidar com a separação dessas duas palavras hoje unidas por um hífen. E como afirma Hobsbawn: “Não devemos nos iludir. Acrescentar mais uma dúzia de Estados-membros à ONU não proporcionará a nenhum deles mais controle sobre seus assuntos antes do que tinham antes de serem independentes. Não serão resolvidos ou diminuídos os problemas das culturas ou de qualquer outro tipo de autonomia no mundo, não mais do que foram resolvidos em 1919.” Neste ano, a Conferência de Paz de Paris, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, criou 12 novos Estados soberanos, baseados no princípio da homogeneidade étnica. Isso não evitou a eclosão da Segunda Guerra Mundial.