terça-feira, 4 de agosto de 2009

Perguntas e Respostas - Irlanda do Norte

Revista Veja Especial Maio de 2007




Em 8 de maio de 2007, uma histórica cerimônia em Belfast deu início a um novo governo de união na província britânica da Irlanda do Norte. Depois de décadas de conflitos sanguinolentos, os protestantes do Partido Unionista Democrático e os católicos do Sinn Fein concordaram em dividir o poder (na foto, a primeira reunião do governo, com o vice-premiê católico Martin McGuinness e o premiê protestante Ian Paisley). O acerto tem a bênção da Inglaterra, que hoje administra a Irlanda do Norte. O governo conjunto pode consolidar a estabilização a Irlanda do Norte - a província vive desde 1998 sob um acordo de paz que praticamente acabou com o terrorismo e a violência sectária. Desde 1969, 3.600 pessoas morreram por causa da luta entre os dois lados - a maioria, vítima de atentados do IRA, braço armado dos católicos. Entenda as origens do conflito e os termos do atual acordo de paz:
2. Quais foram as conseqüências da divisão da Irlanda?
3.
O que querem os católicos?
4.
E o que reivindicam os protestantes?
5.
O que é o IRA?
6.
Quem são os personagens centrais de cada grupo hoje?
7.
Quais foram os principais episódios dessa luta sectária?
8.
Qual é a posição de Londres?
9.
Qual a posição das principais nações do mundo diante dessa questão?
10.
Há perspectiva de resolução do conflito irlandês?


1. Qual é a origem do conflito na Irlanda do Norte?
Ainda que ingleses e irlandeses tenham se enfrentado desde o século XII, quando o monarca inglês Henrique II conquistou e anexou a ilha da Irlanda por um curto período de tempo, o atual conflito tem origem nos séculos XVI e XVII. Paralelamente ao seu rompimento com o Vaticano - que fundou o Anglicanismo - a dinastia Tudor lançou a Inglaterra a uma nova tentativa de conquista da Irlanda. O sucesso da empreitada submeteu os irlandeses - católicos desde sua origem - ao governo de ingleses protestantes. A partir daí, milhares de colonos ingleses estabeleceram-se na ilha - especialmente na província de Ulster, no norte do território - discriminando, perseguindo e expulsando os nativos. Nas primeiras décadas do século XX, revoltas sucessivas resultaram na divisão da ilha: os católicos conseguiram a independência da República da Irlanda (Eire) em 1921, mas alguns condados do norte, onde os protestantes eram - e ainda são - maioria, continuaram atrelados à Inglaterra.
2. Quais foram as conseqüências da divisão da Irlanda?
A divisão do território irlandês não satisfez a população católica do Ulster, forçada a continuar sob domínio britânico. Os mais exaltados deste grupo nacionalista partiram para a luta armada, incluindo o terrorismo. Extremistas protestantes responderam à altura. Desde o fim dos anos 60 confinadas em bairros separados por muros e cercas de arame farpado - na capital Belfast e em outras cidades importantes -, as duas comunidades trocam tiros e bombas. Neste período, mais de 3.600 pessoas foram mortas.
3. O que querem os católicos?
Os católicos da Irlanda do Norte, também conhecidos como republicanos, desejam o mesmo que os seus vizinhos do sul conseguiram - independência do Reino Unido. Seu objetivo final é integrar os condados que permaneceram sob controle da coroa britânica ao resto da República da Irlanda, acabando com a divisão territorial da ilha. Até 1998, a própria Constituição da República da Irlanda estabelecia que era um dever do país lutar pela anexação do norte protestante. O catolicismo é visto como ponto essencial desta questão pois serviu como catalisador da identidade nacional irlandesa durante a resistência contra a ocupação e as lutas pela independência.
4. E o que reivindicam os protestantes?
Ao contrário dos católicos, os protestantes, tradicionalmente chamados de unionistas por sua vontade de permanecerem unidos à Grã-Bretanha, desejam que a situação continue como está. Querem manter-se cidadãos britânicos. Mas não querem, para isso, deixar o território irlandês, onde, apesar de sua origem britânica, muitas famílias estão estabelecidas há séculos.
5. O que é o IRA?
A organização terrorista mundialmente conhecida como IRA (Exército Republicano Irlandês, na sigla em inglês) surgiu no ano de 1969, reivindicando para si o legado do IRA original - o exército que lutou contra a Inglaterra e conquistou a independência do Eire em 1921. Ao dedicar-se a matar civis na Irlanda do Norte e na Inglaterra, com explosões ou ações armadas, o IRA deu um caráter extremista à causa dos católicos republicanos. Em 1984, num de seus atos mais ousados, o grupo explodiu um hotel na tentativa de assassinar a primeira-ministra Margaret Thatcher. Já em 1991, o primeiro-ministro John Major escapou de um morteiro atirado contra a residência oficial do chefe de governo inglês. A violência do IRA, que sempre contou com o apoio financeiro de americanos descendentes de irlandeses, fez surgir vários outros grupos paramilitares, na maioria protestantes, dispostos a vingar suas vítimas. Atualmente, o IRA abandonou a luta armada, tendo mantido-se ativo apenas por meio de seu braço político, o partido Sinn Féin, católico de orientação marxista.
6. Quem são os personagens centrais de cada grupo hoje?
Pelo lado protestante, o grande líder da comunidade unionista hoje é o reverendo Ian Paisley, que assumiu o cargo de primeiro-ministro do governo autônomo da Irlanda do Norte de maio de 2007. Líder do principal partido unionista do país, o DUP (Democratic Unionist Party), e membro do Parlamento britânico desde 1970, o reverendo é também o fundador da Igreja Presbiteriana Livre de Ulster. Entre os católicos, destaca-se a figura do ex-comandante do IRA e atual vice-premiê norte-irlandês, Martin McGuiness. Após co-liderar ações violentas do grupo nos anos 1970, McGuiness abandonou as armas e tornou-se figura proeminente do Sinn Féin. Antes de assumir o gabinete compartilhado com os protestantes, foi ministro da Educação entre 1999 e 2002. Ainda pelo lado católico, tem papel central o líder Gerry Adams, presidente do Sinn Féin e importante negociador do processo de paz.
7. Quais foram os principais episódios dessa luta sectária?O período de escalada da violência na Irlanda do Norte, que recebeu o nome de "The Troubles" (os problemas), teve início no fim dos anos 60, quando a Associação de Direitos Civis do país, organização majoritariamente católica, promoveu uma série de marchas de protesto em todo o território, reivindicando igualdade de condições políticas entre católicos e protestantes. Diversas destas marchas terminavam em quebra-quebra e confrontos entre manifestantes e a polícia, leal à coroa britânica. Uma destas marchas, na cidade de Derry, em 1972, terminou em tragédia quando soldados britânicos abriram fogo contra os civis católicos, matando 14 deles. A partir do episódio, conhecido como Domingo Sangrento, o Reino Unido suspendeu a autonomia do Ulster e fechou a Assembléia Nacional norte-irlandesa. Em resposta, o IRA iniciou uma série de ações terroristas que só terminariam em 1998. Em 1972, tendo matado já mais de 100 soldados britânicos, o grupo explodiu 22 bombas no centro de Belfast, no dia chamado por alguns de Sexta-Feira Sangrenta. Onze pessoas morreram e 130 ficaram feridas. Seguiram-se quase 30 anos de conflitos entre o IRA e grupos paramilitares protestantes. Entre os episódios famosos, destacaram-se ainda o bombardeio do Rememberance Day, em 1987; a explosão de um shopping em Londres em 1996, que matou duas pessoas e causou centenas de milhões de dólares de prejuízos; e a explosão de um carro-bomba na cidade de Omagh em 1998, por dissidentes do IRA que se opuseram a um cessar-fogo assumido pelo grupo meses antes - o ataque matou 29 civis e feriu mais 330.8. Qual é a posição de Londres?
Oficialmente, o governo britânico afirma nunca ter tomado parte em nenhum dos lados do conflito, e diz que todas as suas ações - políticas ou militares - na região sempre tiveram o único intuito de manter a lei e a ordem. Para os católicos da Irlanda do Norte, entretanto, a polícia britânica foi vista como o inimigo a ser derrubado durante boa parte dos últimos 30 anos. Embora nunca tenha sinalizado claramente que o Ulster pode vir a ser independente no futuro, existe em Londres atualmente um movimento de conceder autonomia cada vez maior aos outros três países do Reino Unido - Escócia, Gales e Irlanda do Norte. No fim dos anos 90, o governo de Tony Blair aprovou a criação de Legislativos autônomos para os três.

9. Qual a posição das principais nações do mundo diante dessa questão?
Por ser um conflito que envolve pontos muito específicos, de origem historicamente antiga, não há no resto dos países do mundo, especialmente entre as potências, uma divisão de posicionamento a favor de uma ou outra comunidade da Irlanda do Norte - todos repudiam a violência sectária, mas se mantêm em posição de neutralidade (ao contrário do que acontece com questões mais atuais, como a criação do estado de Israel, que até hoje divide o mundo entre pró-árabes e pró-judeus). A neutralidade, entretanto, não impediu que durante os anos de maior violência, a sólida comunidade de 40 milhões de norte-americanos descendentes de irlandeses patrocinasse a luta separatista de grupos como o IRA. Estima-se que a organização recebia 1 milhão de dólares por ano vindos dos EUA. O mesmo IRA chegou a receber polpudas doações de armamentos e munição do ditador líbio Muamar Khadafi nos anos 80. Desde os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono em 11 de setembro de 2001, porém, o terrorismo virou palavrão até mesmo para os irlandeses-americanos. O próprio IRA abandonou definitivamente as armas em 2005. Ficou impossível manter o esquema enquanto os Estados Unidos e a Grã-Bretanha travavam uma guerra global contra o terror.

10. Há perspectiva de resolução do conflito irlandês?
O último grande passo dado em direção ao fim da luta sectária entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte foi o Acordo da Sexta-Feira Santa, assinado em abril de 1998, no qual Londres aceitou um governo autônomo na província, com a eleição de uma Assembléia e de um Executivo com representação proporcional das duas comunidades. Pelo acordo, qualquer nova decisão sobre a soberania na Irlanda do Norte precisaria ser submetida a plebiscito. O católico John Hume e o protestante David Trimble, dois líderes moderados signatários do pacto, até dividiram o Prêmio Nobel da Paz naquele ano. Em contrapartida, a República da Irlanda (Eire), retirou de sua Constituição o dever de anexar o norte protestante. A instabilidade, contudo, se manteve após o acordo. Com facções radicais do IRA ainda na ativa e denúncias de espionagem no governo por parte dos dois lados, o governo compartilhado fracassou em 2002. Muito pela insistência dos governos de Londres e de Dublin, a Irlanda do Norte voltou a ter sua Assembléia em 2007, eleita pela população e composta por membros das duas comunidades rivais, que se comprometeram a resolver suas discórdias pela via política. A diferença entre o novo governo e as tentativas anteriores de unir católicos e protestantes sob o mesmo gabinete é que, desta vez, foram os líderes dos grupos mais extremos que aceitaram dividir o poder, e não os mais moderados.
11. Católicos e protestantes vão dividir o poder na Irlanda do Norte?
Sim. Em 8 de maio de 2007, o protestante Ian Paisley e o católico Martin McGuiness assumiram o gabinete como primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro respectivamente, e deram início à mais promissora tentativa de governo conjunto na Irlanda do Norte. Não apenas o Executivo passou para as mãos dos irlandeses do norte, como também o Legislativo - a Assembléia de Stormont, na capital Belfast, voltou a funcionar. A cerimônia que marcou o início do novo período autônomo do Ulster deve entrar para a história como o último grande ato do combalido Tony Blair, que trabalhou para que a situação se estabilizasse na ilha vizinha.

Revista Veja Edição 1 627 - 8/12/1999
Irlanda do Norte

Entre inimigos Governo reunindo católicos e protestantes leva esperança de paz à região conturbada

Será que desta vez vai? O processo de paz na Irlanda do Norte deu um salto histórico na semana passada. O novo governo autônomo da província, que tomou posse na quinta-feira, não apenas mistura os arquiinimigos católicos e protestantes. Também inclui guerrilheiros empedernidos, como o ex-comandante do Exército Republicano Irlandês, o IRA, Martin McGuiness, na qualidade de ministro da Educação, e o reverendo Ian Paisley, líder unionista que até outro dia denunciava o acordo de paz como uma rendição ao terrorismo. Está se repetindo em Belfast o fenômeno dos acordos que transformam terroristas em políticos.
As negociações para a formação do governo – que põe fim a 27 anos sob a administração direta de Londres – estavam no limbo desde o ano passado. Isso porque os protestantes, defensores da permanência da província no Reino Unido (que reúne também a Inglaterra, a Escócia e o País de Gales), se recusavam a indicar seus representantes se o IRA não se desarmasse. O acordo renasceu com a promessa do grupo de entregar suas armas até fevereiro do ano que vem. Numa região fragmentada em linhas confessionais há séculos e em guerra aberta há três décadas, ainda é difícil de acreditar. A surpresa é que os 800 anos de conflitos tenham terminado não com a expulsão dos ingleses, como queriam os nacionalistas do IRA, mas com um acordo irlandês-britânico. A Inglaterra protestante invadiu a ilha na Idade Média. O catolicismo serviu como catalisador da identidade nacional irlandesa e da resistência contra a ocupação. A ilha foi partilhada em duas em 1921, com a maior porção transformando-se em República da Irlanda, independente e catolicíssima. Alguns condados do norte, de maioria protestante, se mantiveram como parte integrante da Grã-Bretanha – é o chamado Ulster ou Irlanda do Norte. Nos últimos trinta anos, confinadas em bairros separados por muros e cercas de arame farpado, as duas comunidades trocaram tiros e bombas, com mais de 3.500 mortos.
Num tratado assinado em abril de 1998 (apelidado de Acordo da Sexta-Feira Santa), Londres aceitou um governo autônomo na província. A República da Irlanda, em contrapartida, retirou de sua Constituição o dever de anexar o norte protestante. Ficou acertado também o governo partilhado. Pelo acordo, qualquer nova decisão sobre a soberania na Irlanda do Norte precisaria ser submetida a plebiscito. O católico John Hume e o protestante David Trimble, dois líderes moderados signatários do acordo, até dividiram o Prêmio Nobel da Paz. Em agosto, uma bomba reivindicada por uma facção radical do IRA deixou 28 mortos numa cidadezinha norte-irlandesa. E quase que tudo desanda. É aí que mora o perigo. Para que a paz seja duradoura, não basta que o acordo seja seguido à risca pelos políticos. Em um ambiente de ódios profundos, uns poucos atos de sabotagem são suficientes para pôr tudo a perder. Para complicar, o pacto na Irlanda do Norte não resolve o cerne do conflito – a maioria dos católicos (que representam 38% da população) continua desejando uma Irlanda unida, e a maior parte dos protestantes ainda prefere continuar cidadãos da Grã-Bretanha.

Paz, amor e IRA


Revista VejaEdição 1 638 - 1°/3/2000

Inglaterra
Paz, amor e IRA
Ex-espião inglês diz que John Lennon deu dinheiro a terroristas da Irlanda
Enquanto o mundo pegava fogo, com guerras pipocando por todos os lados, o cantor inglês John Lennon dizia que a humanidade precisava apenas de amor e pedia que fosse dada uma chance à paz. Melhor ainda, fazia isso por meio de músicas belíssimas, que passariam à posteridade como hinos de uma época. Mas uma história que veio à tona na semana passada em nada combina com a fama de pacifista do ex-beatle: segundo um ex-agente do serviço secreto inglês, Lennon teria colaborado financeiramente com o Exército Republicano Irlandês, IRA, o sanguinolento grupo terrorista que luta contra a ocupação britânica da Irlanda do Norte.
David Shayler, um antigo espião inglês que vive na França e tem uma tremenda língua solta quando se trata de segredos de Estado, afirmou ter visto em 1993 documentos que indicam o envolvimento de Lennon com o IRA. Mais: o ex-beatle, assassinado por um desequilibrado mental em 1980, teria dado apoio ao Partido Revolucionário dos Trabalhadores, uma organização radical de esquerda. Os papéis fariam parte do arquivo que o FBI, a polícia federal americana, mantém sobre o cantor nos Estados Unidos, com informações enviadas por Londres depois que Lennon se mudou para Nova York, em 1971. São exatamente esses documentos que John Wiener, professor da Universidade da Califórnia, quer ver abertos ao público, objetivo que acaba de ganhar um empurrãozinho. Um juiz lhe deu acesso ao material. O FBI tem um mês para recorrer da decisão.
Indignada, a viúva de Lennon, Yoko Ono, declarou que o ex-beatle enviou dinheiro à Irlanda do Norte, sim, mas apenas para ajudar crianças e a comunidade afetada pela violência política. Há quem acredite que os recursos podem ter sido desviados para a compra de armas pelo IRA sem o conhecimento do cantor. O próprio Wiener, que deseja escarafunchar os documentos do FBI, diz que é difícil acreditar no envolvimento direto de Lennon com a luta armada. A opinião não é compartilhada por Hunter Davies, biógrafo dos Beatles. Ele disse que não ficaria totalmente surpreso se a história do espião fosse confirmada. "John gostava de agitar", afirmou. Um porta-voz do Sinn Fein, o braço político do IRA, pôs mais lenha na fogueira ao concordar que o envolvimento de Lennon com o grupo "não era impossível".
A simpatia do ex-beatle pelos republicanos irlandeses não é segredo. Depois que treze civis foram mortos por tropas inglesas em Londonderry, em 1972, no chamado Domingo Sangrento, Lennon foi claro: "Entre o IRA e o Exército britânico, eu fico com o IRA". Já antes, no final da década de 60, ele não escondia a revolta com várias atitudes do governo de seu país, como o apoio de Londres à intervenção americana no Vietnã e às forças que combatiam impiedosamente a separatista Biafra, na Nigéria. Mas existe uma distância imensurável entre se posicionar a favor de determinadas causas e financiar terroristas. Até agora, a polêmica só serviu para reafirmar que, há três décadas, mesmo um pacifista tinha de tomar partido num mundo dividido por balas, bombas e napalm

Lições de terror





Revista Veja Edição 1 714 - 22 de agosto de 2001



Irlandeses do IRA que foram ensinara fazer bombas são presos em Bogotá


Propaganda dos guerrilheiros do IRA na Irlanda do Norte: processo de paz em risco


Mais uma dor de cabeça para quem busca a paz na Colômbia e na Irlanda do Norte. Há uma semana, foram detidos no aeroporto de Bogotá, na Colômbia, três europeus recém-chegados da selva onde opera a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc. A identidade de cada um só foi estabelecida com a ajuda do serviço secreto da Inglaterra: eram membros do Exército Republicano Irlandês (IRA), o grupo terrorista que luta para separar a Irlanda do Norte da Inglaterra. Um deles era o agente do IRA na América Central e trocava seus conhecimentos na fabricação de bombas por armas em países da região. Outro fez parte da direção do Sinn Fein, braço político do IRA, e já foi condenado por posse de explosivos. O terceiro esteve preso por porte ilegal de armas e se feriu duas vezes em confrontos com a polícia norte-irlandesa.
Com a prisão dos membros do IRA, descobriu-se que o trio estava exportando para os colombianos know-how na montagem de bombas e em táticas de guerrilha urbana, área em que as Farc ainda engatinham. Com o dinheiro do narcotráfico, os guerrilheiros colombianos estão importando conhecimento de grupos terroristas, que funcionam como multinacionais do crime político. Se a notícia é ruim para os colombianos (já que demonstra a intenção das Farc de se expandir para as cidades), é péssima para os irlandeses, que descobriram que o IRA está ampliando suas atividades, em vez de se desfazer dos arsenais.

A Irlanda é um barril de pólvora difícil de desarmar. Mistura desde rixas religiosas até anseios nacionalistas. O conflito tem raízes na conquista inglesa da Irlanda, há quase 500 anos. Os católicos irlandeses foram tratados como povo conquistado pelos colonos protestantes que se mudaram para lá. A maior parte da ilha se tornou independente em 1921, com o nome de República da Irlanda. Um enclave ao norte, de maioria protestante, permaneceu sob bandeira inglesa. Lá, católicos e protestantes estabeleceram duas comunidades à parte, separadas por muros e cercas de arame farpado. Em tese, os católicos querem unir-se à república irlandesa, para tornar-se independentes da Inglaterra. Em 1998, o conflito parecia estar chegando ao fim. O IRA propôs entregar as armas e assinar um acordo de paz. Nesse tratado, a Irlanda do Norte continuaria sendo parte da Inglaterra, como querem os protestantes, mas teria um Parlamento onde estariam presentes várias correntes católicas, inclusive as mais radicais, como o Sinn Fein.
A condição primordial para que tudo desse certo era que o IRA fosse desativado. E é justamente na relutância do grupo em se desarmar que o acordo emperrou. O protestante moderado que presidia o Parlamento local renunciou em julho, levando a Inglaterra a intervir no governo autônomo pela quarta vez desde a assinatura do tratado de paz. Na última terça-feira, o IRA declarou que não vai entregar as armas. Acusou os ingleses de não cumprirem o acordo de paz ao intervir tantas vezes no governo local. A prisão de alguns de seus enviados à Colômbia deixou claro que o grupo está mais aguerrido do que nunca.

O IRA depõe as armas

Revista Veja Edição 1 724 - 31 de outubro de 2001



É um desses momentos que ficam marcados nos livros de história: o Exército Republicano Irlandês (IRA), a maior e mais violenta organização terrorista da Europa, vai depor as armas. A decisão de sepultar de vez a luta armada foi anunciada na última terça-feira, em Belfast, e renovou a esperança de uma solução pacífica para a encrenca sangrenta no coração do Primeiro Mundo. A Irlanda é uma ilha de população católica conquistada e colonizada por ingleses protestantes desde o século XVII. Depois de décadas de luta separatista, os católicos fundaram a República da Irlanda, em 1921. Um pequeno enclave ao norte permaneceu ligado à Inglaterra. Ali, os protestantes são maioria e vivem às turras com os católicos. As duas comunidades são separadas por muros e cercas de arame farpado. Enquanto os protestantes querem continuar cidadãos ingleses, os católicos lutam pela fusão com a República da Irlanda. Desde o início dos anos 70, 3.600 pessoas foram mortas por lá.
O que há de pior no rancor nacionalista que divide católicos e protestantes pode ser resumido nestas três letras: IRA. Surgida em 1969, a organização terrorista dedicou-se a matar civis na Irlanda do Norte e na Inglaterra. Em 1984, num de seus atos mais ousados, explodiu um hotel na tentativa de assassinar a primeira-ministra Margaret Thatcher e seu gabinete. Em 1991, o primeiro-ministro John Major escapou de um morteiro atirado contra Downing Street, residência oficial do chefe de governo inglês. A violência do IRA fez surgir vários outros grupos paramilitares, na maioria protestantes, dispostos a vingar cada vítima com a morte de um cidadão escolhido ao acaso na comunidade rival. Apesar de ter declarado várias tréguas no passado, o IRA jamais tinha aceitado depor as armas. A decisão vinha sendo adiada desde 1998, quando a organização anunciou pela última vez uma trégua em troca de um acordo de paz.
O TERROR QUE NÃO CEDE
Carro-bomba que matou 29 pessoas em 1998: terroristas do IRA Autêntico rejeitam acordo


FIM DO ARSENAL
Gerry Adams, presidente do Sinn Fein: pelo acordo de paz

Pelo tratado – apelidado de Acordo da Sexta-Feira Santa – a Irlanda do Norte continuaria parte da Inglaterra, como querem os protestantes, mas seria montado um governo autônomo no qual teriam voz todas as correntes católicas, inclusive o Sinn Fein, partido político que serve de porta-voz do próprio grupo terrorista e se confunde com ele. É irônico que o IRA tenha finalmente sido colocado contra a parede por um atentado terrorista que nada tem a ver com as pendengas irlandesas. Desde os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, o terrorismo virou palavrão até mesmo para os irlandeses-americanos, a sólida comunidade de 40 milhões de descendentes de imigrantes que patrocinava a luta separatista. Esse apoio financeiro e político esvaneceu-se no último mês. Era com o dinheiro dos simpatizantes – estimado em 1 milhão de dólares por ano – que a organização comprava armas e tramava assassinatos. Ficou impossível manter o esquema, agora que os Estados Unidos travam uma guerra global contra o terror.
As relações com os Estados Unidos começaram a azedar em agosto, quando a polícia prendeu três membros do IRA na Colômbia. As investigações mostraram que eles estavam no país para ensinar técnicas de terrorismo urbano às Farc, um movimento guerrilheiro comunista envolvido com o narcotráfico. Como o governo americano está gastando bilhões de dólares para combater o tráfico de drogas e seus aliados guerrilheiros na Colômbia, Washington colocou o IRA na lista de inimigos. O acordo feito para pacificar a Irlanda do Norte exigia que o terrorismo fosse desarmado. A decisão só foi tomada quando faltavam dois dias para se cumprir um ultimato do governo inglês. Se não entregassem as armas, todas as instituições criadas pelo Acordo da Sexta-Feira Santa, incluindo o governo provincial e o Parlamento, seriam dissolvidas. Ficaria a cargo da Inglaterra optar por novas eleições ou que Londres voltasse a governar diretamente a Irlanda do Norte. Como todas as pesquisas mostravam que uma eleição seria favorável aos extremistas, de ambos os lados, era tido como certo que os ingleses escolhessem assumir diretamente o governo do território.
Diante de cenário tão adverso, o presidente do braço político do IRA, Gerry Adams, cedeu na questão do arsenal. A sensação de alívio na província foi imediata. O governo inglês mandou demolir dois postos militares na Irlanda do Norte e anunciou a redução de tropas na região. O gesto histórico ainda está longe de significar o fim integral da violência na Irlanda do Norte. Os paramilitares protestantes hesitam em entregar suas armas. Do lado católico, restam grupelhos exaltados, como o IRA Autêntico, que se separou da organização principal nos anos 90 e continua mais ativo do que nunca. Responsável pelo maior atentado na Irlanda do Norte, que matou 29 pessoas e feriu mais de 200 na cidadezinha de Omagh, em 1998, o grupo explodiu só neste ano duas bombas no centro de Londres. A questão é até quando eles sobreviverão, agora que acabou a tolerância mundial ao terrorismo.

Internacional Todos estão fartos do IRA

Revista Veja Edição 1897 . 23 de março de 2005
Americanos agora também tratam a organização irlandesa como ela é, um grupo terrorista


José Eduardo Barella


O senador Ted Kennedy com as irmãs e a namorada de McCartney, em Washington: indignação


Com uma história de mais de três décadas de terrorismo em nome de uma causa nacionalista, o Exército Republicano Irlandês (IRA) já não convence ninguém – nem os católicos da Irlanda do Norte, que o grupo armado pretende representar, nem seus descendentes americanos, que sempre nutriram simpatia por suas motivações. O desgaste ficou claro na semana passada, nos Estados Unidos. Pela primeira vez em dez anos, os dirigentes do Sinn Fein, o braço político do IRA, foram barrados na festa anual da Casa Branca para comemorar o santo padroeiro dos irlandeses. Para completar, Gerry Adams, o principal líder do Sinn Fein, recebeu uma porta na cara do senador americano Edward Kennedy, que sempre se mostrou simpático à causa de unir à República da Irlanda a província que hoje é parte da Inglaterra. Espécie de patriarca dos irlandeses-americanos, ele recusou-se a receber Adams para uma reunião.
A mudança de atitude deve muito à coragem de cinco católicas irlandesas, com quem, aliás, o senador democrata se encontrou na semana passada. Elas se transformaram em celebridades pela persistência com que exigem que sejam levados à Justiça os assassinos – todos eles militantes do IRA – de seu irmão, Robert McCartney, em uma briga de bar em Belfast, a capital da Irlanda do Norte. Em sua peregrinação por Washington, as McCartney foram recebidas até pelo presidente George W. Bush. A desmoralização do IRA e de seus representantes políticos nos Estados Unidos é um golpe letal para a linha terrorista do nacionalismo irlandês, que tinha nos 40 milhões de descendentes irlandeses do país uma boa fonte de doações e de sustentação moral. Dissolveu-se finalmente o paradoxo representado pelos americanos que apoiavam, por atavismo, um grupo terrorista no momento em que seu país está empenhado numa guerra global ao terrorismo.
O IRA deveria ter saído de circulação em 2001, quando renunciou à luta armada no contexto de um acordo de paz. Na verdade, o grupo continua valendo-se de seus métodos violentos e, agora, atua mais como uma organização criminosa comum do que como uma entidade política. Na sua lista de pecados recentes está o roubo de um banco no setor católico de Belfast, em dezembro passado, do qual foi levado o equivalente a 140 milhões de reais. Foi o maior crime desse tipo no Reino Unido desde o histórico assalto ao trem pagador, em 1963. O uso de armas pesadas e o estilo militar do roubo fizeram as suspeitas cair imediatamente sobre o IRA, o único grupo com capacidade e experiência para uma ação dessas na Irlanda do Norte. O assalto ajudou a melar as negociações iniciadas dias antes entre os líderes do Sinn Fein e o principal partido da maioria protestante para retomar um acordo suspenso em 2002. A nova negociação, que previa a divisão mais equilibrada de poder na administração da Irlanda do Norte, prometia ser o golpe final na disputa de 300 anos entre católicos e protestantes que, desde o surgimento do IRA, levou à morte de 3.600 pessoas.
O segundo episódio a expor a faceta mafiosa do IRA foi o assassinato de Robert McCartney e a posterior campanha de suas irmãs por justiça. Os detalhes da morte de Robert, no fim de janeiro, mostraram a disposição do grupo terrorista em atuar como um Estado paralelo dentro da comunidade católica. O crime não teve motivação política. Operário de 33 anos e pai de dois filhos, McCartney era filiado ao Sinn Fein e participava de uma festa do partido em um pub do setor católico de Belfast. Em determinado momento, começou uma pancadaria no bar e Robert tentou impedir que outros participantes da festa – que por acaso eram terroristas do IRA – agredissem um amigo. McCartney morreu esfaqueado. Após o crime, os assassinos destruíram as câmeras de segurança e, antes de fugir, ameaçaram de morte todos os presentes que se arriscassem a contar o que viram à polícia. Pelo menos setenta pessoas estavam no bar, incluindo três dirigentes do Sinn Fein. Nenhuma testemunha se dispôs a colaborar com as investigações.
A intimidação não impediu as cinco irmãs e a namorada de McCartney de exigir publicamente a punição dos culpados. Diante da repercussão do caso, dirigentes do Sinn Fein e do IRA tentaram apaziguar a família. O partido político suspendeu sete militantes, e o grupo terrorista fez uma proposta espantosa à família McCartney: a própria organização se encarregaria de punir os responsáveis com tiros nos joelhos ou nos cotovelos. A proposta foi recusada pelas cinco irmãs, para espanto dos chefões do IRA. Elas mantiveram sua exigência de que os acusados se apresentem à Justiça. "O comunicado do IRA foi um golpe fatal para sua imagem, pois confirma que o grupo abandonou a política e passou a agir como uma organização mafiosa", disse a VEJA o cientista político irlandês Brendan O'Leary, autor de cinco livros sobre o grupo terrorista. A solução derradeira para o conflito entre católicos e protestantes esbarra na recusa do IRA em desarmar-se. Desde que concordaram em cessar os ataques terroristas, há quatro anos, os integrantes do grupo dedicaram-se a usar seu armamento, sua organização e seu sistema de lealdade entre chefes e subordinados para controlar o tráfico de armas, a prostituição e outros tipos de negócios ilegais nos bairros católicos. Fazer justiça com as próprias mãos contra desafetos políticos e ladrões é comum nesse submundo que só respeita as normas próprias. Os métodos de punição vão desde o espancamento e tiros nas articulações até a execução. Nos últimos anos, duas dezenas de pessoas foram mortas em acertos de contas do IRA. Chegou-se ao ponto em que nem os católicos irlandeses agüentam o IRA.