quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O Conflito Árabe-Israelense - Parte I

O moderno estado de Israel está situado em um território que já foi conquistado por muitos povos: assírios, babilônios, persas, gregos, romanos, árabes muçulmanos e turcos otomanos. O país, localizado na costa oriental do Mar Mediterrâneo, é conhecido como a Terra Santa. Para os judeus, a terra é santa porque lhes foi prometida por Deus; para os cristãos, porque Jesus, sendo judeu, nasceu e viveu lá; para os muçulmanos, porque Jerusalém é o local da subida do profeta Maomé aos Céus.
Em 1948, o estado de Israel foi estabelecido e, desde então, esteve envolvido em guerras e conflitos com seus vizinhos árabes. O objetivo do presente artigo é apresentar a origem e o histórico do conflito árabe-israelense. Vamos iniciar examinando as reivindicações históricas dos judeus e árabes pela Terra de Israel. Nos próximos artigos, iremos discutir os eventos que levaram à formação do estado de Israel e analisar as questões geopolíticas do conflito.
O laço judeu à Terra de Israel data de mais de 3.700 anos. De acordo com a Bíblia, Deus prometeu que os descendentes do patriarca Abraão herdariam a terra. O Livro Sagrado revela que o povo judeu foi escravizado no Egito, até que Deus o libertou. Após sua libertação do Egito, o povo judeu foi liderado por Moisés - o maior profeta da história judaica - e levado à Terra de Israel. No entanto, foi Josué, sob o comando de Deus, que conquistou a Terra, iniciando assim a formação do primeiro estado judeu.
A nação judaica formou a sua primeira monarquia constitucional por volta do ano 1000 A.C. O segundo rei dos judeus, Davi, estabeleceu Jerusalém como a capital do país e seu filho Salomão liderou a construção do Templo Sagrado de Jerusalém.
No ano 70 D.C., os romanos destruíram o Templo Sagrado. Tudo o que restou de pé até hoje foi sua Muralha Ocidental, conhecido por todos como Muro das Lamentações, considerado pelo judaísmo como o local mais sagrado do mundo. Sendo assim, pessoas de vários países, judeus e não-judeus, visitam o Muro em Jerusalém. Elas escrevem bilhetes com pedidos pessoais a Deus e os colocam entre suas pedras.
Além de destruir o Templo Sagrado de Jerusalém, os romanos expulsaram os judeus de sua terra, dando início à diáspora, que significa a dispersão dos judeus para outros países do mundo. Contudo, apesar de terem sido conquistados pelos romanos, muitos judeus continuaram a viver na Terra de Israel.
Por volta do século IX, comunidades judaicas foram restabelecidas em Jerusalém e Tibérias. No século XI, a população judaica crescia nas cidades de Rafah, Gaza, Ashkelon, Jaffa e Caesarea. Durante o século XII, muitos judeus que viviam na Terra Prometida foram massacrados pelas Cruzadas, mas nos séculos seguintes, a imigração para a Terra de Israel continuou. Mais comunidades religiosas judaicas estavam se fixando em Jerusalém e em outras cidades.
Um dos pontos fundamentais da fé judaica é que todo o povo será liderado de volta à Terra de Israel e que o Templo Sagrado será restabelecido. Muitos judeus acreditam que o Messias, que será enviado por Deus, irá liderar o retorno de todo o povo judeu à Terra de Israel.
Contudo, muitos judeus acreditavam que eles próprios deveriam iniciar seu retorno à sua terra histórica. A idéia de estabelecer um estado judeu moderno começou a ganhar grande popularidade no século XIX na Europa. Um jornalista austríaco chamado Theodor Herzl levou adiante a idéia do sionismo, definido como o movimento nacional de libertação do povo judeu. O sionismo afirma que o povo judeu tem direito ao seu próprio estado, soberano e independente.
No final do século XIX, o aparecimento do anti-semitismo, o preconceito e ódio contra judeus, levou ao surgimento de pogroms – massacres organizados de judeus – na Rússia e na Europa Oriental. Esta violência notória contra judeus europeus ocasionou imigrações maciças para a Terra de Israel. Em 1914, o número de imigrantes vindos da Rússia para a Terra de Israel já alcançava os 100.000. Simultaneamente, muitos judeus vindos do Iêmen, Marrocos, Iraque e Turquia imigraram para a Terra de Israel. Quando os judeus começaram, em 1882, a imigrar para seu antigo território em grande escala, viviam por lá menos de 250.000 árabes.

O povo judeu baseia suas reivindicações pela Terra de Israel em diversos fatores:
1. A Terra de Israel foi prometida por Deus aos judeus. Esta é a antiga terra dos patriarcas e profetas bíblicos. Na Bíblia, inúmeras passagens citam Israel e Jerusalém como sagrados ao povo judeu e as principais orações judaicas falam sobre o retorno do povo à sua cidade sagrada. As orações judaicas são feitas em direção a Jerusalém. Durante as festas judaicas, as orações são encerradas recitando a frase “ano que vem em Jerusalém”.
2. Desde que os judeus foram exilados pelos romanos, a Terra de Israel nunca foi estabelecida como um estado. A região foi colonizada por diversos impérios, mas nunca voltou a ser um estado soberano. Foram imigrantes judeus que desenvolveram a agricultura e construíram cidades para restabelecer um estado no seu lar histórico.
3. O estado de Israel foi criado pelas Nações Unidas em 1947. É um estado democrático, moderno e soberano.
4. Toda a Terra de Israel foi comprada pelos judeus ou conquistada por Israel em guerras de defesa, após o país ter sido atacado por seus vizinhos árabes.
5. Os árabes controlam 99.9% do território no Oriente Médio. Israel representa apenas um décimo de 1 % da região.
6. A história demonstrou que a segurança do povo judeu apenas pode ser garantida através da existência de um estado judeu forte e soberano.

Acredita-se que o termo “Palestina” (Palestine) origina dos filisteus (Philistines), um povo egeu que, no século XII A .C., se estabeleceu ao longo da planície costeira do Mediterrâneo, conhecida hoje como a Faixa de Gaza. No século II, após derrotar o antigo estado de Israel, os romanos deram o nome de Palestina à terra, numa tentativa de humilhar os judeus e minimizar sua identificação com a Terra de Israel.
Em 638, a conquista árabe da Terra de Israel deu início a 1.300 anos de presença muçulmana em Israel. Porém, o país nunca foi exclusivamente árabe. Após as invasões muçulmanas do século VII, o árabe tornou-se gradualmente a língua da maioria da população da região. Apesar do controle muçulmano, nenhum estado árabe independente chegou a ser estabelecido na Terra de Israel.
A cidade de Jerusalém é considerada a terceira mais sagrada na religião islâmica (as primeiras são Meca e Medina). Acredita-se que Jerusalém seja o local onde o maior profeta islâmico, Maomé, subiu aos Céus. A mesquita al-Aqsa, onde o Domo da Rocha foi futuramente construído, marca este ponto, que é sagrado para os muçulmanos.
Enquanto os muçulmanos dominavam a região, cristãos e judeus viviam em paz, já que eram considerados os Povos do Livro. Cristãos e judeus tinham controle autônomo em suas comunidades e eram permitidos a praticar as suas religiões com liberdade e segurança. Tal tolerância religiosa demonstrada pelo povo muçulmano é rara na história do homem.
Em 1517, os turcos otomanos da Ásia Menor conquistaram a região e, com poucas interrupções, governaram Israel, então chamada de Palestina, até o inverno de 1917-18. O país foi dividido em diversos distritos, dentre eles, Jerusalém. A administração dos distritos foi cedida em grande parte aos árabes palestinos. As comunidades cristãs e judaicas, porém, receberam grande autonomia. A Palestina compartilhou a glória do Império Otomano durante o século XVI, mas foi negligenciada quando o império começou entrar em declínio no século XVII.
Em 1882, menos de 250.000 árabes viviam no local. Uma parte significante da Terra de Israel pertencia aos senhores, que viviam no Cairo, Damasco e Beirute. Por volta de 80% dos árabes palestinos eram camponeses, nômades ou beduínos.
Em 1917-18, com apoio dos árabes, os britânicos capturaram a Palestina dos turcos otomanos. Na época, os árabes palestinos não se imaginavam tendo uma identidade separada. Eles se consideravam parte de uma Síria árabe. O nacionalismo árabe palestino é, em grande parte, um fenômeno do pós Primeira Guerra Mundial.
Em 1921, o Secretário Colonial Winston Churchill separou quase quatro-quintos da Palestina – aproximadamente 35.000 milhas quadradas - para criar um emirado árabe, a Transjordânia, conhecida hoje como Jordânia. Este país, que é uma monarquia árabe, é em sua maioria composto por palestinos que hoje representam aproximadamente 70% da população.
Em 1939, os britânicos anunciaram o White Paper (Carta Branca), um documento relatando que um estado árabe independente e não dividido seria estabelecido na Terra de Israel (chamada de Palestina) dentro de 10 anos. O nacionalismo árabe cresceu com a promessa de um estado forte. Mas, como discutiremos futuramente, os britânicos não foram capazes de manter sua promessa aos árabes. Em vez disso, em 1947, as Nações Unidas decidiram dividir a Terra de Israel em dois estados: um judeu e outro árabe. Em 1948, foi estabelecido o estado de Israel. Quando seus vizinhos árabes atacaram o novo estado judeu, teve início a primeira guerra árabe-israelense. Durante o estabelecimento do estado de Israel e durante a primeira guerra entre árabes e israelenses, mais da metade dos árabes que viviam na Terra de Israel fugiram, dando início ao problema ainda hoje vigente de refugiados palestinos, que discutiremos nos próximos artigos.

O povo palestino baseia suas reivindicações pela Terra de Israel em diversos fatores:
1. Os árabes muçulmanos viveram no local por muitos anos.
2. O povo palestino tem o direito à independência nacional e à soberania sobre a terra onde viveram.
3. Jerusalém é a terceira cidade sagrada na religião muçulmana, local de elevação do profeta Maomé aos Céus.
4. O Oriente Médio é dominado por árabes. Outras religiões ou nacionalidades não pertencem à região.
5. Todos os territórios árabes que foram colonizados tornaram-se estados completamente independentes, exceto a Palestina.
6. Os palestinos tornaram-se refugiados. Outros países árabes nunca os aceitaram completamente e eles vivem freqüentemente em campos para refugiados tomados pela pobreza.

Conclusão
O conflito entre israelenses e palestinos é acima de tudo uma questão geográfica. Neste artigo, cobrimos resumidamente a história judaica e palestina em relação à Terra de Israel. Nos próximos artigos, discutiremos os acontecimentos históricos que levaram tanto ao estabelecimento do estado de Israel quanto ao conflito entre árabes e israelenses. Discutiremos questões geopolíticas e explicaremos como elas fazem parte da atual violência entre israelenses e palestinos.

A explosão

02 de outubro de 1996
Revolta palestina contralinha dura de Israel deixa mais de sessenta mortos
A senhora palestina saiu da mesquita de Al-Aksa, no coração de Jerusalém, na sexta-feira, e parou, assustada com a enorme concentração de policiais israelenses à espera dos fiéis muçulmanos. 'Netanyahu maj’noun!', espantou-se -'Netanyahu está louco!'. No final da semana em que os palestinos se revoltaram contra as repetidas provocações feitas pelo governo linha-dura de Israel e a polícia palestina enfrentou o Exército israelense num confronto sangrento, com mais de sessenta mortos e de 1 000 feridos, não era difícil acreditar, no nível das impressões populares, que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu estava realmente maj’noun.
Movido pela cega obstinação de rever as regras do jogo herdadas do governo anterior, em apenas 100 dias ele implodiu sistematicamente o já complicadíssimo processo de acomodação entre judeus e palestinos, que seus antecessores levaram seis anos para construir. A gota d’água foi a decisão de reabrir sorrateiramente um túnel arqueológico que passa perto das duas mesquitas veneradas pelos muçulmanos, na parte antiga de Jerusalém. Diante da rebelião popular detonada por essa decisão insensata e arrogante, Netanyahu demonstrou o distanciamento da realidade que se espera encontrar em quem mergulhou na condição de maj’noun, mas jamais na de primeiro-ministro de um país à beira de ser engolfado numa situação de guerra.

Pouco-caso - Como se confundisse desejos com realidade, ele lavou as mãos de qualquer responsabilidade e acusou Yasser Arafat, o presidente da Autoridade Palestina, pelo caos nos territórios ocupados por Israel. Netanyahu tentou vender um peixe estragado: tudo não passou de uma maquinação perversa para pressionar Israel a ceder nas negociações de paz (que àquela altura já haviam corrido ralo abaixo). Ele também fez pouco-caso do pedido dos Estados Unidos, o grande patrono, que protege e banca a conta do Estado judeu, em favor de uma solução negociada para a crise.
Aos apelos do resto do mundo, onde se multiplicavam os sinais de alarme - Alemanha, França e Inglaterra fizeram uma declaração conjunta sem precedentes, implorando a pacificação dos ânimos -, Netanyahu respondeu mandando reprimir qualquer manifestação na área das mesquitas em Jerusalém. Recebida com pedradas, a polícia matou três palestinos e feriu mais de cinqüenta. No meio da multidão, o repórter Daniel Blumenthal, colaborador de VEJA, sentiu de perto a impotência das pessoas pegas no fogo cruzado da repressão indiscriminada. 'A polícia bloqueou o portão de Nablus, na muralha norte, e só deixava passar as ambulâncias para buscar os feridos', conta. 'Eram sete. Cada uma delas fez pelo menos dez viagens até o hospital Al-Mukased.' No meio da confusão, um detalhe quase surrealista: um ursinho de pelúcia, jogado no chão que já se cobria de trilhas de sangue.

Brios patrióticos - Netanyahu teimou em abrir a nova passagem do túnel arqueológico - o estopim da revolta palestina -, apesar das advertências do serviço secreto e de seus próprios ministros sobre a inconveniência da medida num momento de tensões à flor da pele. O prefeito de Tel-Aviv, Roni Milo, da ala mais moderada do Likud, o partido que chefia a coalizão de governo, chamou-o de tolo por forçar a barra numa questão irrelevante como essa. Pela ótica da linha dura, medidas mais graves, como a autorização da construção de mais colônias judias nos territórios palestinos, fazem sentido - e, afinal, constavam da plataforma de campanha que elegeu Netanyahu. Absurdo foi insistir na abertura do túnel, que mexe com explosivos sentimentos religiosos e fere fundo os brios patrióticos palestinos. Encurralado pelas sucessivas provocações, Arafat reagiu com a convocação de greves e manifestações nos territórios e acusou Israel de avançar ainda mais a 'judaização de Jerusalém'. O pretexto de que a ampliação do túnel aumentaria o movimento turístico (afetado, na verdade, pelo clima de instabilidade vigente desde a posse do atual governo) pareceu quase macabro diante das conseqüências. 'Não conheço nenhuma mãe disposta a sacrificar seu filho para aumentar o turismo', ironizou o ex-primeiro-ministro Shimon Peres, derrotado por Netanyahu nas últimas eleições. 'Nada de bom pode resultar desse túnel', previu.
O banho de sangue começou de maneira quase habitual. Palestinos fazem manifestações, jogam pedras, tocam fogo em pneus velhos. Policiais e soldados israelenses respondem com balas de borracha e cassetetes (o ministro das Finanças, Mohamed Nashashibi, levou umas pancadas, o elegante Faisal Husseini, representante da OLP em Jerusalém, baixou no hospital). O confronto permanecia dentro do figurino da intifada, a revolta palestina movida a pedradas e encerrada com os acordos de paz, em 1993. Então, a situação fugiu ao padrão. 'Um membro da Força 17 (a tropa de elite de Arafat) viu um civil cair ensangüentado a seus pés', contou Khaled Matur, um estudante palestino ferido a bala no ombro. 'Ele perdeu o controle e abriu fogo. Logo todo mundo, palestinos e israelenses, estava atirando indiscriminadamente.'

'Deus é grande' - Outro policial deu explicação diferente para sua reação: se não atirasse, enquanto sua gente era moída, a fúria da multidão se voltaria contra ele. O tiroteio escalou rapidamente para um confronto generalizado, em todas as regiões árabes, entre as forças policiais palestinas e as tropas de ocupação, num surto de violência sem paralelo nesse conflito, que dura desde 1967. Os feridos nos hospitais eram tantos que pessoas atingidas com menos gravidade, nos braços e nas pernas, esperavam horas por atendimento. Apinhado de gente ansiosa em busca de parentes desaparecidos e jovens enfurecidos, que recebiam as ambulâncias aos gritos de 'Deus é grande', o brado de guerra islâmico, o hospital de Ramallah, cidade vizinha de Jerusalém, revivia o clima dos dias mais violentos da intifada. A realidade, contudo, era bem diferente. A entrada da polícia de Arafat em confronto aberto com o Exército israelense estabeleceu uma nova - e ainda mais brutal - realidade na difícil convivência entre palestinos e israelenses, que até então realizavam patrulhas conjuntas nas áreas autônomas.
Um incidente bizarro na cidade de Nablus ilustra o paradoxo da batalha entre dois signatários de um tratado de paz, mas que não chegam a um acordo de convivência pacífica. Num embate humilhante para o poderoso Exército do Estado judeu, um pelotão inteiro de 42 soldados israelenses viu-se cercado pela multidão de manifestantes e precisou do socorro da polícia palestina para se safar com vida. Os soldados faziam a guarda de uma antiga mesquita, que muitos judeus acreditam ser o túmulo de José, o personagem bíblico. O edifício murado, usado como centro de estudos por judeus religiosos, é o único enclave israelense na cidade sob controle palestino. A tropa enviada para resgatar a guarnição também foi cercada e abandonou seus veículos para se refugiar no prédio, logo invadido e ocupado pela polícia palestina. A televisão mostrou policiais gritando em hebraico 'não tenham medo' para os israelenses cercados. Os palestinos também forneceram água, comida e até telefones celulares para que os soldados pudessem ligar para casa.
No final do dia, a polícia palestina escoltou os soldados feridos até o território israelense e emprestou ambulância para levar os corpos de seis militares mortos. Símbolo da vitória, a bandeira palestina foi hasteada na torre de vigia em lugar da costumeira Estrela de Davi. A gravidade do confronto em Nablus não se mede apenas pelo número de baixas israelenses, mas pelo ataque a um lugar santo judaico. A analogia inevitável é com Hebron, onde 400 colonos, todos fanáticos religiosos, vivem junto a outro santuário, o Túmulo dos Patriarcas, no meio de 120 000 palestinos. Netanyahu diz que não retira as tropas porque ficaria difícil proteger os colonos. O episódio de Nablus demonstra que manter um pequeno enclave numa cidade palestina é um risco ainda maior.

Frente ampla - Na Faixa de Gaza, onde Arafat instalou a sede de seu governo, milhares de palestinos cercaram as colônias de Netzarim e Kfar Darom, duas pequenas povoações isoladas entre 1 milhão de palestinos. Outro enclave minúsculo, Nissanit, no norte da Faixa, precisou ser evacuado. Com a ajuda da polícia, a multidão atacou um pequeno posto de vigilância israelense a menos de 2 quilômetros de Netzarim, na quinta-feira. O Exército israelense decretou estado de emergência nos territórios e, pela primeira vez desde a conquista em 1967, enviou tanques para a Cisjordânia. Um helicóptero equipado com metralhadoras - arma de guerra pesada - chegou a ser usado para atacar franco-atiradores entrincheirados num prédio de apartamentos. Outro metralhou palestinos na cidade de Rafez e acabou matando um tenente egípcio, do lado de lá da fronteira. Por volta do meio-dia de quinta-feira, Arafat ordenou à polícia palestina que só abrisse fogo em autodefesa - as tropas não lhe deram a mínima atenção e continuaram trocando tiros com os israelenses.
Só no dia seguinte a polícia palestina voltou a acatar as ordens de Arafat - talvez por isso mesmo o número de mortos na sexta-feira caiu para sete palestinos e três israelenses. A força policial de 40 000 homens, a maioria ex-guerrilheiros repatriados dois anos atrás, quando a Autonomia foi estabelecida, é a espinha dorsal do poder de Yasser Arafat. Na semana passada, foi praticamente a primeira vez que dispararam em defesa da população palestina - até então, vinham se especializando na repressão interna, exigida por Israel e pelos Estados Unidos para controlar o terrorismo dos fundamentalistas muçulmanos. A ação da polícia, com o conseqüente aumento de vítimas entre os palestinos, reavivou o orgulho nacional e, ironicamente, deu mais algum fôlego a Arafat. A convocação aos protestos de quinta-feira foi feita na base da frente ampla, assinada por todas as vertentes palestinas, desde a Fatah até os radicais do Hamas.

Decepção dos otimistas - Surpreendi-do pela revolta durante uma viagem pela Europa, Netanyahu mostrou a mesma alienação da realidade que se perceberia na entrevista de sexta-feira. 'Não sei por que tanta confusão', espantou-se na Alemanha. Na quinta-feira, alertado sobre a gravidade da situação, voltou às pressas para Israel e se pôs a telefonar para Arafat em busca de um encontro - rejeitado em primeira instância. 'Tudo isso mostra como faltam a Netanyahu habilidade e sabedoria', diz o ex-ministro trabalhista Moshe Shahal. 'Ele não tem a mínima capacidade para ser primeiro-ministro de Israel.'
Quando Netanyahu foi eleito, os otimistas achavam que ele poderia 'ver a luz', como não é incomum acontecer com durões colocados diante das realidades do poder. Se o intransigente Menachem Begin assinou a paz com o Egito, Bibi, moderno, com muitos anos de vida nos Estados Unidos e conhecimento das técnicas de marketing, também poderia render-se à lógica da paz (as alternativas são eliminar os palestinos ou conviver eternamente com a ocupação e o domínio de uma população inimiga). Netanyahu foi uma decepção para os otimistas. Ele abandonou, na prática, o conceito de trocar terra por paz, que norteou a política dos governos trabalhistas e permitiu arrancar dos palestinos um acordo miserável - mas o único que conseguiram. Eleito com a promessa de oferecer 'Paz com segurança', sua intransigência e falta de habilidade conduziram à situação que se via ao fim da semana: Israel não tinha uma coisa nem outra.

'Dinossauro' - Fora das fronteiras imediatamente explosivas do conflito com os palestinos, a situação não é muito melhor. Em apenas três meses, Israel retrocedeu ao isolamento diplomático de duas décadas atrás. Mesmo antes da eclosão da nova fase da revolta palestina, as relações com o Egito iam de mal a pior. Antecipando-se ao julgamento que se tornou corrente na semana passada, o subsecretário do Ministério das Relações Exteriores do Egito, Adel Safti, disse que Netanyahu sofre de um 'medo patológico' em questões de segurança e deveria procurar 'aconselhamento psicológico'. Outro ministro egípcio qualificou-o de 'dinossauro'.
As negociações de paz com a Síria foram não apenas interrompidas como agora ambos os países estão concentrando tropas nas fronteiras. O Catar desistiu de enviar representante para Tel-Aviv. O rei Hassan, do Marrocos, que se entendia bem com Shimon Peres, suspendeu os contatos. Até a Jordânia, paparicada pelos israelenses e interessada em manter um bom relacionamento, cancelou uma visita do príncipe Hassan, irmão do rei Hussein. Também nesse caso o primeiro-ministro israelense não consegue entender por que sua política em relação aos palestinos irrita tanto os vizinhos árabes. Se não é loucura clínica, é um caso extremo de insanidade política. Maj’noun, com certeza.

As portas abertas da guerra
Uma obra feita na calada da noite, sob forte proteção policial, no coração histórico da cidade que dois povos inimigos disputam como sua capital, não poderia mesmo dar certo. O túnel que provocou a explosão de revolta entre os palestinos existe há mais de 2 000 anos na parte antiga de Jerusalém e tem interesse arqueológico. Ao longo de seus 488 metros, há marcas das inúmeras civilizações que já passaram por Jerusalém: um aqueduto construído pelos macabeus há quarenta séculos, uma rua romana, uma pedra do alicerce do Muro das Lamentações, uma piscina bizantina e vestígios da época da dominação árabe e das cruzadas cristãs. O que interessa, no entanto, está acima da superfície: a 400 metros do túnel, erguem-se as magníficas mesquitas de Al-Aksa e de Omar, particularmente veneradas pelos muçulmanos. A mesquita redonda de Omar circunda a rocha bruta de onde, segundo a crença islâmica, o profeta Maomé ascendeu aos céus.
A alegação, feita pelos palestinos, de que a ampliação do túnel abalaria as fundações da mesquita pode parecer paranóia. E é - o mais insano dos governos israelenses não cogitaria cometer tal sacrilégio. Mas até a paranóia tem seu lado compreensível quando se lembra que fanáticos judeus chegaram a planejar um atentado com explosivos para detonar a mesquita inteira, a pretexto de reconstruir em seu lugar o templo judaico destruído pelos romanos. (Os terroristas foram presos antes de levar a conspiração adiante, julgados, condenados e, mais tarde, anistiados.)

Na marra - O argumento do governo israelense para estender o traçado do túnel pareceria até razoável, em tempos mais normais: aumentar o fluxo de turistas. Até agora, os visitantes tinham de entrar e sair da passagem, com cerca de 1 metro de largura, pela única porta, ao lado do Muro das Lamentações. Um segundo ponto de acesso permitiria movimento maior. No ano passado, durante o governo de Yitzhak Rabin, quando as negociações de paz pareciam avançar, representantes palestinos teriam concordado com a abertura do túnel. Em troca, teriam acesso a outro sítio arqueológico subterrâneo, localizado debaixo da esplanada das mesquitas. Rabin foi morto por um fanático judeu, terroristas palestinos tumultuaram o processo de paz, Benjamin Netanyahu acabou eleito com seu discurso de linha dura. Em mais um desafio aos palestinos, resolveu abrir o túnel na marra. Deu no que deu.

Os 100 dias que detonaram a paz
O confronto entre o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e os árabes começou no dia 1 do seu governo. Os incidentes sucederam-se numa escalada, até a grande explosão:
• Logo que assumiu, em junho, Netanyahu exigiu mais garantias para os judeus fanáticos que vivem num bunker em Hebron, cidade que deveria passar à administração palestina. As tropas israelenses continuam lá, no desafio mais flagrante aos acordos de paz.
• A angústia foi crescendo com a revogação da proibição de novas colônias na Cisjordânia ocupada. Aumentou o ritmo de construção de estradas exclusivas para os colonos judeus. Dezenas de milhares de palestinos continuaram proibidos de entrar em Israel para trabalhar.
• Só três meses depois da posse Netanyahu encontrou-se com o líder palestino Yasser Arafat. Um encontro gelado. Depois da reunião, o primeiro-ministro disse que os palestinos jamais teriam um Estado próprio.
• O anúncio do plano de construir 3 800 casas para colonos na Cisjordânia levou Arafat a convocar greve geral e manifestações. Israel fechou o acesso ao local do protesto.
• Israel pôs abaixo um centro comunitário palestino que, segundo alegou, funcionava sem licença, e uma 'confusão da segurança' forçou o helicóptero de Arafat a vagar por 45 minutos antes de conseguir pousar na Cisjordânia. Aumentou o número de soldados israelenses nas ruas de Jerusalém.
• Do lado de fora, os países árabes acompanharam o começo de governo com ansiedade crescente. A Síria grudou um batalhão nas colinas de Golã, que Israel ocupou em 1967 e Netanyahu excluiu totalmente um eventual acordo de paz. No Egito, o tom das críticas atingiu níveis sem precedentes.


Um aperto de mãos, uma nova história


22 de setembro de 1993

O acordo selado por Rabin e Arafat traz a esperança de futuro de paz no Oriente Médio

Negócio fechado, assinado e selado. Selado com aperto de mãos. De um lado, Yitzhak "Quebra-Ossos" Rabin. Do outro, Yasser "Terrorista" Arafat. Nunca o significado desse gesto, surgido do costume entre os cavaleiros medievais de estender vazia a mão direita, a da espada, para dar ao interlocutor a garantia de intenções pacíficas, esteve tão perto de suas origens. Debaixo de um céu azul, azul, e um sol de rachar, no gramado da Casa Branca, o aperto de mãos entre dois velhos guerreiros, no sentido literal da palavra, deu vida ao acordo de paz entre israelenses e palestinos. Uma nova história, repleta de problemas cabeludos mas sobretudo de comoventes esperanças, começa no Oriente Médio.

Nestes tempos de prodigiosas reviravoltas, qualificar a cena em Washington como um acontecimento histórico chega a ser banal. Mas não tem nada de exagerado. O encontro é histórico por aproximar dois inimigos encarniçados e também por sua capacidade de modificar, de uma hora para outra, a visão que o mundo tem de problemas aparentemente insolúveis. Como disse o escritor Amos Oz, se árabes e judeus são capazes de conviver em paz, não há, em nosso planeta, adversários tão endurecidos que não possam fazer o mesmo.

Quem conhece o primeiro-ministro de Israel não duvida que ele nutre pelo líder palestino a mais absoluta antipatia. É verdade que os dois só se conheceram pessoalmente minutos antes da cerimônia. Levados para o Salão Azul da Casa Branca para uma rodada de cafezinhos e suco de laranja, os dois ignoraram-se solenemente, apesar de separados apenas pela curta distância de 5 metros. Foi no atropelo da saída dos diplomatas da sala, chamados para um cumprimento ao anfitrião Bill Clinton, que Rabin e Arafat viram-se cara a cara pela primeira vez. "O senhor sabe, nós temos um monte de trabalho a fazer", disse Rabin, com sua voz monocordicamente sombria. "Eu sei e estou preparado para fazer minha parte", respondeu o palestino.

PODER DOS SÍMBOLOS - No palanque, o contraste entre os dois era gritante. Rabin parecia um condenado que sobe ao patíbulo, tenso, duro, sem saber onde enfiar os papéis com seu discurso. Populista de longa data, habituado ao calor das multidões, Arafat ganhou em matéria de linguagem corporal. O estadista Rabin ressurgiu quando sacou do bolso o discurso, uma peça eloqüente que lembrou aos ouvintes como, depois de 100 anos de hostilidades, ambos os povos estavam exaustos.

O momento decisivo aconteceu por iniciativa de Clinton, outro populista da cepa desenvolvida no sul dos Estados Unidos, à vontade com abraços e tapinhas nas costas. Primeiro, com o braço esquerdo, tocou nas costas de Arafat. Com o direito, conduziu Rabin ao gesto mágico da reconciliação pública. Arafat estendeu a mão, Rabin hesitou, por uma fração de segundo, antes de apertá-la, com um esgar que passou por sorriso. O poder dos símbolos não deve ser desprezado. O acordo, negociado em segredo durante meses, já estava anunciado. Uma semana antes, os dois já haviam dado o passo mais importante - o reconhecimento mútuo. Sem o aperto de mãos, ao qual Rabin só aquiesceu implicitamente depois de um telefonema de Clinton convidando-o a ir a Washington, não teria a mesma graça.

ÓTIMO NEGÓCIO - A paz dos bravos, segundo a definição de Arafat, precisava do gesto simbólico de reconciliação entre dois homens que dedicaram boa parte de suas vidas a tentar se destruir mutuamente, homens cujas trajetórias individuais personificam o conflito entre seus povos. O carrancudo Rabin combateu na guerra de 1948 e, como chefe do estado-maior na Guerra dos Seis Dias, conquistou os territórios que agora está disposto a devolver em troca da paz. Nem o mais benevolente biógrafo o descreveria como um pacifista. Impiedoso, prometeu "quebrar os ossos" dos palestinos rebelados nos territórios ocupados e fez o que pôde para cumprir a promessa. É esse o currículo ideal para quem quer firmar a paz sem ser qualificado de frouxo por seus compatriotas - mesmo que seu interlocutor seja Arafat, o arquiterrorista dos pesadelos israelenses, o homem que um dos seus antecessores, o falecido primeiro-ministro Menachem Begin, se recusava a chamar pelo nome, usando apenas a expressão "animal de duas patas".

Pois foi o "terrorista" e "animal", segundo a demonização israelense, que cedeu, cedeu, cedeu, até conseguir um acordo. Partiu dele a proposta de iniciar a retirada israelense por Jericó e por Gaza, deixando o restante - um imbróglio fenomenal - para discutir mais tarde. Do ponto de vista israelense, quando se desconta o pavor patológico face aos inimigos árabes, é um ótimo negócio: o acordo deixa intactas as 144 colônias judaicas nos territórios, preserva o controle das fronteiras, contorna o espinhoso assunto de Jerusalém, cuja parte leste foi anexada em 1967, e não assume nenhum compromisso, ao menos por enquanto, com a criação de um Estado palestino. Os palestinos ficam com a autonomia limitada e o poder de polícia, ou seja, vão reprimir seus compatriotas que não engolirem a pílula. Se qualquer coisa, ao longo do processo de cinco anos, fracassar, Israel pode ocupar a Cisjordânia inteira outra vez - uma hipótese na qual, a essa altura, é melhor nem pensar.

Do ponto de vista dos palestinos, o acordo ainda está longe de acenar com seu grande sonho - a criação de um Estado próprio -, mas o carnaval com que foi recebido é um sinal de como um povo oprimido comemora quando dá um passo rumo à realização de suas aspirações nacionais. A realidade é dura, e a maioria dos palestinos dos territórios ocupados, ao contrário de muitos de seus compatriotas refugiados em outros países, a reconhece: eles perderam, os israelenses ganharam. Poderiam continuar a recusar qualquer entendimento, como vinham fazendo desde antes da criação do Estado de Israel, porque isso implicaria a partilha de sua terra com os judeus. Poderiam continuar a jogar pedras, a resistir na intifada, a exigir dos irmãos árabes que mantivessem o estado de beligerância. Israel, naturalmente, continuaria a lhes quebrar ossos. Preferiram a opção lenta, restrita da "entidade palestina", como vem sendo chamada, numa suprema ironia - durante décadas, os árabes é que chamavam Israel de "entidade sionista".

GORBACHEVEZAÇÃO - Para dar certo, o país em gestação só precisa agora de duas coisas. A primeira é que a OLP mostre na prática que é capaz de segurar seus próprios radicais e os muçulmanos fundamentalistas inconformados com o acordo. O outro pré-requisito se resume a uma palavra: dinheiro. Na terça-feira, Arafat tomou o café da manhã com executivos do Banco Mundial para falar de negócios. "Arafat nos pediu ajuda com urgência", conta o brasileiro Caio Kochweser, vice-diretor da instituição. "Ele insistiu que não quer se tornar outro Gorbachev, que recebeu muitas promessas de ajuda que nunca se materializaram."

Não se sabe de onde o dinheiro vai sair, mas investir na estabilização do Oriente Médio é um bom negócio também para os ricos. Os primeiros dividendos já estão aparecendo. Na viagem de volta, Rabin fez escala no Marrocos, onde foi recebido pelo rei Hassan II. No dia seguinte, assinou com a Jordânia um protocolo de intenções para um acordo de paz. "Vamos fazer a paz com todos os 24 Estados árabes", entusiasma-se Rabin. Não é fácil. Mas, ao se dirigir às centenas de adolescentes israelenses e palestinos levados ao jardim da Casa Branca, vestindo camisetas com a inscrição "Sementes para a Paz", o presidente Clinton lembrou que a paz dos bravos, a "corajosa aposta no futuro" feita por seus líderes, oferecia-lhes a chance pela qual vale a pena lutar, ceder, pagar e arriscar: "O milagre silencioso de uma vida normal".

Quem são e como vivem os palestinos e israelenses



VEJA Edição 1 746 - 10 de abril de 2002
Especial A Guerra no Oriente Médio
HOMENS E MULHERES-BOMBA
Abdel-Basset Odeh (na foto superior.), que matou 21 civis em plena Páscoa judaica, era integrante do Hamas. Aparentemente, ninguém na família da pacata Ayat Akhras (na foto inferior.) sabia que ela era terrorista. A moça, de 16 anos, matou duas pessoas numa explosão em Jerusalém
A fúria de Ariel Sharon produziu um milagre na Terra Santa: transubstanciou Yasser Arafat, que já não gozava mais de tanto prestígio entre os palestinos, em símbolo da resistência de um povo oprimido. Sitiado pelo Exército israelense em seu QG, na cidade de Ramallah, o chefe da Autoridade Palestina agora é apoiado publicamente pelos grupos terroristas dos quais tentava até a semana passada manter distância – pelo menos, na aparência. Os líderes do Hamas, da Jihad Islâmica e da Brigada Al Aqsa, secundados por representantes de facções menores, anunciaram ainda que passarão a agir de maneira coordenada. Traduzindo: virão por aí mais e mais atentados contra civis em Israel. A escalada da violência na região é impressionante. Só em março deste ano, 115 israelenses morreram pelas mãos de terroristas. Esse número representa mais que um quarto do total de vítimas do ano passado inteiro.

Quem não está enfronhado na história do conflito pode ser levado a acreditar que os atos terroristas são uma saída legítima, ainda que irracional, para a justa aspiração de construção de uma pátria palestina. É um equívoco. Os atentados só fazem fortalecer politicamente os integrantes da ala belicosa de Israel, capitaneados por Ariel Sharon, que pregam o uso da força e desejam rever os acordos de paz firmados no passado. Além disso, a maioria dos grupos radicais que lançam mão do terrorismo não quer apenas conquistar um território para os palestinos. Quer também a destruição de Israel e a formação de um Estado islâmico, nos moldes dos que existem no mundo árabe. Para esses radicais, qualquer possibilidade de paz com o inimigo significa um revés. Os homens-bomba, portanto, recrutados entre os jovens, não sãso, a maioria dos grupos radicais que lançam mão do terrorismo não quer apenas conquistar um território para os palestinos. Quer também a destruição de Israel e a formação de um Estado islâmico, nos moldes dos que existem no mundo árabe. Para esses radicais, qualquer possibilidade de paz com o inimigo significa um revés. Os homens-bomba, portanto, recrutados entre os jovens, não são fruto apenas do desespero, mas de uma estratégia perversa, que visa a aniquilar qualquer perspectiva de convivência entre palestinos e israelenses.

O mais articulado dos grupos terroristas palestinos é o Hamas. A ele pertencia Abdel-Basset Odeh, autor do atentado que, em plena Páscoa judaica, matou 21 civis num hotel na cidade litorânea de Netanya. Essa foi a ação que serviu de pretexto para Israel confinar Arafat e invadir as cidades administradas pela Autoridade Palestina. O Hamas foi a primeira organização terrorista da região a usar homens-bomba. Em 1993, por exemplo, lançou mão do recurso para tentar sabotar os acordos de paz assinados em Oslo, na Noruega. O grupo tem forte ascendência sobre a juventude palestina porque desenvolve também trabalhos assistenciais, pilotando escolas, clínicas e creches. Toda essa infra-estrutura é financiada com o patrocínio de outros países árabes, que injetam no Hamas cerca de 40 milhões de dólares por ano.

Recentemente, apareceu nesse cenário sombrio a Brigada Al Aqsa. Em tese, é uma dissidência militarizada da Fatah, a organização fundada por Yasser Arafat em 1959. Ela responde por 70% dos atentados executados neste ano. Um dos caciques da Fatah, Marwan Barghouti, assumiu alguns dias atrás ser o chefe da Al Aqsa. Esse fato só reforça a tese de que Yasser Arafat realmente fazia jogo duplo, como o acusa Ariel Sharon: de um lado, negociava com os israelenses, comprometendo-se a prender terroristas; de outro, dava seu aval a grupos radicais. Entre os grandes movimentos do terror, há ainda a Jihad Islâmica, que tem dificuldade de recrutar colaboradores, e o libanês Hezbollah. Essa última organização, que nasceu para combater as tropas israelenses que ocupavam o sul do Líbano em 1982, voltou a dar o ar de sua falta de graça. Seus líderes decidiram apoiar os palestinos e atacaram postos do Exército israelense na semana passada. O caldeirão de ódio fervilha mais do que nunca e, para piorar, agora contém outro ingrediente preocupante: a mulher-bomba. A primeira foi Wafa Idris, de 28 anos, que cometeu um atentado em janeiro deste ano. Os palestinos a saudaram como uma espécie de Joana d'Arc. Há duas semanas, uma jovem de 16 anos, Ayat Akhras, que estava de casamento marcado, provocou uma explosão num supermercado de Jerusalém, matando duas pessoas e ferindo 150. Aparentemente, ninguém na família da moça sabia que ela participava de um grupo fundamentalista. Depois do atentado, militantes da Al Aqsa disseram que Ayat Akhras integrava uma recém-formada ala de mulheres suicidas.

Na semana passada, analistas aventavam a hipótese de que Israel gostaria de ter o Hamas como interlocutor, em vez de uma raposa como Arafat. Um indício dessa intenção seria o fato de o Exército israelense ter poupado até o momento, em sua caça a terroristas, os chefes do Hamas – dos quais o mais importante é Ahmed Yassin. Velho, paraplégico e em prisão domiciliar decretada pelo próprio Arafat, ele seria presa fácil para os soldados israelenses. O líder da Autoridade Palestina talvez não seja mais a pessoa ideal para ter do outro lado da mesa de negociação. Mas a tese de que Sharon poderia achar mais confortável negociar com terroristas que defendem a aniquilação de Israel é só mais uma amostra da insanidade que campeia em torno dessa guerra no Oriente Médio.

A marcha da insensatez


VEJA Edição 1 746 - 10 de abril de 2002
Especial A Guerra no Oriente Médio

GUERRA TOTAL
Soldados israelenses ocupam Belém (primeira foto ), e palestino encapuzado resiste em Nablus: paz soterrada


Israel é uma ilha menor que o Estado de Sergipe em que 5 milhões de judeus estão cercados por um mar de 344 milhões de adversários, espalhados pelos países islâmicos do Oriente Médio e do norte da África. O Estado judeu travou e venceu cinco guerras de grande escala com os vizinhos. A sensação de viver entre inimigos gerou nos israelenses o condicionamento de reagir a qualquer ameaça de agressão com brutalidade dobrada. É o que está acontecendo agora, num dos mais sinistros desdobramentos de um conflito que começou há mais de meio século, desde a implantação do Estado de Israel na região. A ofensiva militar dos israelenses contra as áreas habitadas pelos palestinos nas últimas semanas chocou o mundo pela envergadura da operação e também pelos ataques contra a população civil. A mobilização de tropas israelenses, a maior em duas décadas, veio como resposta a uma campanha de atentados contra civis israelenses, com a participação de homens e mulheres-bomba, uma entidade típica dessa guerra de pólvora e de ódio. Como a maioria das guerras, essa de agora é ditada pela insensatez. Palestinos e judeus chegaram a um ponto em que nenhum dos lados quer ceder e ambos estão dispostos a ir até o fim. Essa determinação bélica tem contornos de suicídio e coloca riscos para uma região, o Oriente Médio, que é o mais sensível barril de instabilidades do planeta.
Um dos mais graves aspectos desse conflito é misturar num só aquilo que o escritor israelense Amós Oz diz que são, na verdade, dois conflitos separados. Pacifista histórico e inimigo declarado do nacionalismo exacerbado do primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, Oz escreveu, num artigo publicado no Brasil pelo jornal Folha de S.Paulo, que é preciso distinguir entre as duas guerras. Uma é a guerra legítima do povo palestino para libertar-se da ocupação israelense e pelo direito a ter um Estado independente. A segunda guerra é travada pelo Islã fanático, desde o Irã até a Faixa de Gaza, com o objetivo de destruir Israel e varrer para o mar até o último dos judeus que lá vivem. Há judeus – como Ariel Sharon – que defendem a ocupação permanente da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, territórios capturados pelos israelenses na guerra de 1967. O argumento é o de que o país é alvo de uma guerra de extermínio desde 1948, ano de fundação do Estado de Israel, e está no direito de oprimir os palestinos em nome da própria sobrevivência. Do lado árabe, o argumento simplista é o de que o direito de resistir à ocupação inclui a licença para matar todos os israelenses. Amós Oz propõe que Israel recue dos territórios ocupados e trace suas fronteiras com base na demografia e no imperativo de não oprimir outro povo. Se ainda assim o fanatismo continuar sua campanha de assassinatos de civis israelenses, pelo menos Israel terá só uma guerra a travar, e não duas. Com a vantagem de que seria uma guerra justa pela terra, liberdade e vida de seu povo.


CIDADE SITIADA
Policial israelense reprime pacifistas que tentavam levar ajuda humanitária a Ramallah: ruas e carros arrasados
O que o mundo quer ver é judeus e palestinos vivendo em harmonia em dois Estados vizinhos. A realidade não é essa porque a dinâmica do conflito colocou o poder nas mãos de gente por demais envolvida na lógica perversa das vinganças sangrentas. Até a tarde de sexta-feira passada, os tanques israelenses já tinham tomado sete das oito principais cidades autônomas palestinas. A exceção é Jericó. Dezenas de civis foram mortos, e mais de 1.000 homens, presos. O cenário nas cidades ocupadas é de devastação. Carros, casas e ruas foram arruinados por bombardeio e pelo tráfego de blindados de 60 toneladas. Confinado a duas salas no único prédio inteiro no complexo de edifícios que lhe serve de quartel-general, na cidade de Ramallah, Yasser Arafat, líder daquilo que mais se aproxima de um governo palestino, teve o primeiro momento de alívio na sexta-feira. Foi quando recebeu a visita do americano Anthony Zinni, enviado pelo presidente George W. Bush para negociar um cessar-fogo. Nesta semana chega à região o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, com a missão de ressuscitar as negociações de paz. Na quinta-feira, Washington exigiu a retirada israelense das áreas palestinas. Foi a primeira vez que os EUA se manifestaram de forma tão clara sobre o assunto. Até então, os americanos vinham se omitindo e Sharon aproveitava a hesitação de Washington para ir em frente com seus ataques maciços. De acordo com jornais de Tel-Aviv, Sharon finalmente deu ordens para encerrar as operações militares neste fim de semana.
Há nove anos, quando os acordos de paz entre israelenses e palestinos foram assinados, Arafat recebeu o controle administrativo das maiores áreas urbanas da Cisjordânia e de Gaza e se comprometeu a trabalhar para evitar ataques a Israel. Não cumpriu a promessa. Em parte, porque sua polícia não tem condições de impedir cada ataque suicida. Mas também porque não quis. Os israelenses também deram sua contribuição ao conflito. Israel relutou em cumprir as retiradas previstas e continuou a instalar colônias judaicas nas terras em que os palestinos querem construir seu Estado.


CUIDADOS EXTREMOS
Palestino levanta o casaco para comprovar que não está armado, em Ramallah: medo do homem-bomba
O primeiro-ministro de Israel foi à guerra sob o argumento oficial de que precisa destruir a rede do terrorismo árabe na região. Sua intenção real é enterrar de vez os acordos de paz de 1993, aos quais sempre se opôs, e destruir a infra-estrutura penosamente criada pelos palestinos como preparativo para um Estado independente. Antes de atacar, Sharon prometeu aos americanos não tocar em Arafat. No meio da semana, mudou de idéia e se pôs a falar em expulsá-lo para o exílio. É quase certo que fracassará em todos os seus objetivos. O terrorismo palestino se alimenta do desespero de uma população oprimida. Tudo de que precisa para despachar um terrorista suicida são homens e mulheres cheios de ódio e dispostos a morrer e matar em nome de Alá e da causa palestina. Sharon também tentou isolar Arafat. Sem luz e com poucos mantimentos, durante uma semana o chefe da Autoridade Palestina esteve ligado ao mundo apenas por telefones celulares. Nesse período, seu prestígio aumentou entre seu próprio povo e ele acabou recebendo a solidariedade da maioria dos países, sobretudo os europeus. O governo americano, que chegou a dizer que Arafat era pessoalmente responsável pela onda de atentados suicidas, admitiu que ele é o líder legítimo dos palestinos e que o "caminho da paz passa por Arafat".
A Palestina vive um conflito que se arrasta desde o início do século XX, quando as primeiras levas de judeus sionistas desembarcaram com planos de criar um Estado judaico na região. Em 1947, a ONU votou pela partilha da área em dois Estados e, no ano seguinte, os judeus criaram Israel. Perto de 800.000 árabes deixaram o território do novo Estado ou foram expulsos e hoje formam um contingente de 3,6 milhões de refugiados que vivem em vários países. Foi nesse cenário que surgiu Arafat. Nos anos 70, ele colocou a questão palestina no centro das atenções mundiais com uma sangrenta campanha terrorista contra Israel. Até meados dos anos 80, o nacionalismo palestino tinha um objetivo claro: destruir Israel. Nos anos 90, reduziu a ambição a uma meta mais realista: a criação de um Estado soberano na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, que, juntas, têm uma área um pouco maior que a do Distrito Federal. A invasão israelense iniciada na sexta-feira 29 ocorreu um dia depois de 22 países árabes endossarem uma proposta de paz do príncipe coroado da Arábia Saudita, Abdullah, que, pela primeira vez na história, ofereceu a Israel relações normais com todos os Estados árabes. Esse desprezo de Sharon por uma oferta de paz não significa que a guerra continuará indefinidamente até alguém esmagar o último sobrevivente do outro lado. Apesar da impressão que se tem de que a situação no Oriente Médio sempre tende a piorar, isso não é verdade em todos os casos. A paz entre Israel e o Egito foi assinada há 24 anos e persiste, apesar de todas as dificuldades que apareceram desde então. Não é por desígnio divino que os dois povos se matam. Quando querem, fazem a paz.

Israel na hora da verdade


Veja 15 de novembro de 1995

Em estado de choque com o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, o país tem dedecidir que rumo tomar e o que fazer com seus radicais


William Waack, de Jerusalém


Yigal Amir era um garotão bem-educado, religioso e aplicado, desses capaz de carregar compras de velhinhas nas esquinas de Tel Aviv. No último dia 4, sábado, ele pegou a pistola automática com balas dundum cuidadosamente preparadas pelo irmão e, em nome de Deus, matou o primeiro-ministro Yitzhak Rabin. O assassinato político, o primeiro dessa magnitude da História de Israel, foi cometido para acabar com o processo de paz entre israelenses e palestinos. O que Yigal Amir fez pouquíssimos israelenses aprovaram, mas as coisas que ele diz a metade da opinião pública do país endossa: devolver aos árabes as terras conquistadas é traição, seja do ponto de vista dos religiosos, para os quais a Bíblia é um atestado perpétuo de propriedade, seja do ângulo de quem acha a segurança nacional ameaçada. O crime jogou Israel na hora da verdade.
Uma pergunta decisiva, que já rachava os israelenses, foi exponencializada brutalmente pelo assassinato de Rabin: que país eles querem ter? Israel foi criado para ser um Estado dos judeus, uma nação onde o povo espalhado pela diáspora, traumatizado pelas perseguições anti-semitas e retalhado na carne pelo genocídio nazista, recuperasse a pátria perdida há 2.000 anos e se sentisse em segurança. Aos 47 anos de idade, enfrenta uma crise de adolescência: ainda não conseguiu definir suas fronteiras. Não é um problema de geografia, e sim de religião e de ideologia.
MESSIÂNICOS RADICAIS - Ironicamente, o conflito que custou a vida a Rabin começou com a formidável vitória militar alcançada em 1967, quando era o chefe do Estado-Maior do Exército israelense que conquistou a Cisjordânia, entre outros territórios árabes. A partir dali, Israel foi-se dividindo em dois grandes blocos. A "direita" acredita na Grande Israel e quer anexar os territórios ocupados, mesmo ao preço de perpetuar o domínio ilegal e odioso sobre a população palestina. Para a "esquerda", as conquistas territoriais de 1967 são um bom trunfo na hora de negociar compromissos e acordos de paz duradouros com os árabes. Não foi por generosidade ou espírito de conciliação que homens como Rabin, um inflexível general que, quando ministro da Defesa, mandava quebrar os ossos dos jovens palestinos que resistiam a pedradas, concluíram que a ocupação era mau negócio. Na Cisjordânia vivem 1,5 milhão de palestinos, e incorporá-los a Israel, além de alterar a própria concepção de um Estado judeu, seria garantia de dor de cabeça eterna. Em 1992, ao assumir o governo como primeiro-ministro, pôs mãos à obra e assinou a paz com a OLP, a quem começou a devolver os territórios.
Os acordos de paz concedem o mínimo dos mínimos possíveis aos palestinos e a reação dos fundamentalistas árabes, com pavorosos atentados suicidas, obscureceu de certa forma, para o resto do mundo, a oposição israelense. Enquanto suicidas palestinos explodiam bombas assassinas, aumentava também a radicalização da facção religiosa-messiânica israelense, para a qual os territórios conquistados em 1967, contendo lugares tantas vezes mencionados na Bíblia, como Hebron, Jericó ou Nablus, são o coração da civilização judaica, e entregá-los eqüivale a afrontar a vontade divina.
"AGORA É TARDE" - A longo prazo, argumentavam os "pacifistas", a segurança nacional estaria mais garantida com a separação entre judeus e palestinos. Mas no curto prazo, com a multiplicação dos atentados, a direita, sob o comando do Likud, faturou em cima da sensação de insegurança. Com uma retórica extremamente agressiva, passou a acusar Rabin de trair os destinos de Israel. "Agora é muito tarde", disse Lea Rabin, a viúva, quando o principal líder do Likud, Benjamin Netanyahu, tentou cumprimentá-la no enterro do marido, em Jerusalém. Sua fúria explodiu numa série de entrevistas nas quais acusou diretamente Netanyahu e colegas de haver criado o ambiente no qual o assassinato acabou parecendo uma conseqüência lógica. "Eu senti que esse crime ocorreria, ele estava pintado nas paredes, estava sendo anunciado", disse o professor Ehud Sprinzak, a maior autoridade israelense em extremismo de direita.
O crime deixou os israelenses em estado de choque. Ver um chefe de governo tombar sob balas terroristas já é traumatizante para qualquer país, mas em Israel o assassinato se agravou pelo sentimento de que um tabu quebrado - o de que judeus não matam outros judeus. O argumento teológico invocado por Yigal Amir, o de que o crime não só se justifica como era necessário por se tratar de um "traidor" do povo judeu, tem pelo menos uma virtude perversa: obriga os israelenses a decidir se querem ser um país moderno, com relações relativamente normalizadas com seus vizinhos, ou um povo aferrado a interpretações messiânicas dos textos bíblicos, em guerra santa por terra.
Embrulhado na legitimidade democrática e no manto de seu antigo rival, o chanceler e primeiro-ministro interino Shimon Peres, sucessor de Rabin, garantiu que o processo de paz continuará. Nesta segunda-feira, deve estar completada a retirada dos soldados israelenses da cidade de Jenin, no norte da Cisjordânia, o primeiro centro urbano importante da região a passar para as mãos da Autoridade Palestina, presidida por Yasser Arafat. Barrado no enterro de Rabin por ordem direta de Peres, com base no tamanho da confusão que poderia acontecer, Arafat foi levado na noite de quinta-feira, em um pequeno avião israelense, de Gaza até Tel Aviv para um encontro com Lea Rabin. "Era minha obrigação apresentar minhas condolências pela perda de um parceiro na rota da paz", disse Arafat.
Os noventa minutos que passou em Tel Aviv evidentemente têm um significado muito maior que uma visita de pêsames. Foi a primeira vez que Arafat pôs os pés em Israel, assim como o rei Hussein, da Jordânia, e o presidente Hosni Mubarak, do Egito, ambos convidados oficiais para o simples e comovente enterro que reuniu a nata da liderança mundial (o governo FHC, num acesso de caipirice, enviou o vice Marco Maciel).
A visita inédita dos dirigentes árabes foi um dos subprodutos dolorosamente benéficos do assassinato de Rabin. Outro fator positivo é que o repúdio a um crime dessa magnitude ajuda a isolar o ovo da serpente, os fundamentalistas e radicais cuja periculosidade se tornou flagrante. As manifestações coletivas de pesar e as homenagens a Rabin criaram um sentimento de união nacional que evoca de certa forma os tempos heróicos da fundação de Israel - e que Peres pretende utilizar até as eleições de outubro do ano que vem, conforme estava programado. Esse sentimento pode prevalecer, ou a trégua política pode durar apenas até a próxima bomba de um terrorista árabe. Agora, porém, o terror também está entre eles, não há mais desculpas para achar que o inimigo é, somente, o outro.

A Questão Palestina e o Estado de Israel

Ricardo da Costa (Ufes)Palestra proferida no dia 09 de agosto de 2002no curso de Relações Internacionais no Centro Universitário Vila Velha, a convite da Diretoria de Extensão e Seqüenciais. *


O ataque de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas em Nova York.
Os acontecimentos de 11 de setembro nos Estados Unidos trouxeram à tona a questão religiosa para o centro das discussões intelectuais em todo o mundo. Entramos no século XXI com um antigo dilema existencial: fé versus razão. Com efeito, pensávamos que esse debate tivesse sido sepultado desde pelo menos o século XIII, quando os universitários medievais discutiam acaloradamente a possibilidade de unir as verdades da religião e da filosofia.
Por outro lado, durante algum tempo, a intelectualidade brasileira acreditou que toda análise da vida humana passava necessariamente pelo crivo da economia: o homo economicus prevalecia nas mentes dos acadêmicos como um tipo ideal pujante e necessário ao entendimento da História.
No entanto, a persistência do homem-bomba palestino, do mártir em prol da fé, do suicida-crente na destruição final tanto do capitalismo quanto do imperialismo norte-americano e de Israel mostrou à opinião pública mundial que o tema da religião permanece no centro da existência humana e que a chamada Questão Palestina e o Estado de Israel são itens obrigatórios da pauta de discussão nas relações internacionais. Como se chegou a este ponto? Qual a história da questão árabe-israelense? Esta palestra de hoje tenta responder a estas duas perguntas. Assim, farei um breve histórico do contexto da fundação do Estado de Israel para que possamos compreender melhor o tema e suas possibilidades (ou não) de resolução.
O estado de Israel nasceu sob o signo da morte em escala industrial. A Solução final nazista - especialmente a partir de 1942 - mostrou aos judeus europeus que a única alternativa era buscar a proteção de um estado próprio. Esse movimento sionista e nacionalista fora iniciado no final do século XIX pelo judeu vienense, Theodor Herzl (1860-1904), que percebeu a Palestina como uma concreta possibilidade territorial para a fundação de um estado judeu. Em seu livro O Estado Judeu, ele disse: “A Palestina é nossa inolvidável pátria histórica. Esse nome por si só seria um toque de reunir poderosamente empolgante para o nosso povo.” (HERZL, 1954: 67) Herzl passou a estimular a imigração para a Palestina, então sob o domínio do Império Otomano.



Theodor Herzl (1860-1904).
Ali já viviam cerca de 25 mil judeus. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), imigraram 60 mil nacionalistas judeus, que passaram a viver com cerca de 650 mil não judeus, a maioria árabes.
A comunidade judaica européia conseguiu o apoio da Inglaterra para o estabelecimento de uma pátria nacional na Palestina. Em 1917, Arthur Balfour (1848-1930), ministro do exterior, emitiu um importante documento, que ficou conhecido como Declaração Balfour, onde aprovava a idéia, sem, no entanto, citar a palavra estado - isso para não ferir o apoio dado também aos árabes contra os turcos (SOLIMAN, 1990: 28). A Declaração Balfour foi sancionada em 1922 pela então Liga das Nações: a Inglaterra administraria provisoriamente a Palestina e incentivaria o movimento sionista.
Os árabes reagiram com violência. No mesmo ano de 1922 morreram 50 pessoas de cada lado. Com o fim do Império Otomano os árabes também aspiravam sua independência e o apoio inglês lhes parecia uma intromissão indesejável. No entanto, quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha em 1933, a imigração judaica para a Palestina não parou de aumentar: de cinco mil imigrantes por ano em 1929 para 60 mil só em 1935! Em 1936 os árabes pressionaram os ingleses para que limitassem a imigração, sem sucesso. Aconteceram então greves e ataques de árabes contra oficiais britânicos e judeus.
Nesse momento, com o apoio britânico, surgiu a Haganah, uma força de defesa judaica paramilitar com o objetivo de proteger os civis judeus contra os ataques árabes. Uma facção mais radical da Haganah chamada Irgun se organizou como grupo terrorista. Assim, já antes da Segunda Guerra estava bastante claro que os ideais da Declaração Balfour eram impraticáveis.

Tropas do Haganah
Carta do Irgun
Durante o conflito mundial, as autoridades britânicas admitiram limitar a imigração judaica para a Palestina, pois dependiam do petróleo árabe para seu esforço de guerra. Ao completar as quotas, os imigrantes adicionais eram repatriados. Os extremistas judeus também agiram com violência. Em 4 de novembro de 1944, o Ministro de Estado no Oriente Médio foi assassinado por dois membros do grupo Stern, outra facção do Irgun.
No mês seguinte, o Partido Trabalhista britânico tomou a dianteira e firmou um compromisso permitindo a imigração judaica ilimitada para a Palestina. Por outro lado, Anthony Eden (1897-1977), Ministro do Exterior, assegurou que o governo britânico daria total apoio à união árabe, fato que mostrava as diferenças entre os políticos britânicos a respeito da questão palestina.
Em março de 45 os árabes organizaram a Liga Árabe da Sete Nações, mas tinham poucos pontos em comum, com exceção do anti-sionismo. Quando, poucos meses depois, o líder do Partido Trabalhista se tornou Primeiro-ministro, encontrou a Liga Árabe determinada a impedir a imigração judaica a qualquer custo. Estava claro que os ingleses perdiam cada vez mais o controle da situação. Cada tentativa de reprimir a desordem gerava ainda mais violência. Em junho de 1946 a Haganah dinamitou todas as pontes sobre o rio Jordão. Líderes sionistas foram presos. Em 22 de julho, a Irgun retaliou, dinamitando uma ala do hotel Rei Davi, quartel-general do exército britânico em Jerusalém, matando 91 pessoas, entre ingleses, judeus e árabes.

Ataque do Irgun ao Hotel Rei David

Finalmente, o Primeiro-ministro decidiu retirar-se, a exemplo do que fizera na Índia. Ernest Bevin (1881-1951), Ministro do Exterior, declarou (fevereiro de 1947) que os ingleses entregariam às Nações Unidas, sucessora da Liga das Nações, seu mandato sobre a Palestina. Em junho, um comitê especial da ONU chegou à Palestina para estudar a futura divisão política, mas o cenário político palestino estava em pé de guerra: três terroristas da Irgun estavam condenados à morte por enforcamento e dois soldados ingleses eram mantidos como reféns pelos terroristas judeus para forçar sua libertação.
Ao mesmo tempo, muitos refugiados judeus dirigiram-se à Palestina clandestinamente. Em 1947, um navio vindo de Marselha, o President Warfield, rebatizado de Êxodo, transportava 4.500 sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen na Alemanha foi interceptado em Haifa por navios de guerra britânicos. A história correu o mundo porque os imigrantes a bordo divulgaram o fato através do rádio. No entanto, o Êxodo rendeu-se e retornou a Marselha, onde foi negado asilo aos refugiados que, por fim, desembarcaram em Hamburgo.

Presidente Walfierd

Nesse mesmo dia, os três terroristas da Irgun foram enforcados e em represália os dois soldados ingleses reféns dos terroristas judeus também foram enforcados e seus cadáveres foram dinamitados com minas explosivas. Menahen Begin (1913-1992), futuro primeiro-ministro de Israel e então um dos líderes da Irgun disse: “Nós retribuímos na mesma moeda” (WILLMOTT, 1993: 104).
O assassinato dos soldados ingleses foi recebido com indignação na Europa, dando origem a vários distúrbios anti-semitas em várias cidades inglesas - Londres, Liverpool, Glasgow e Manchester -, fatos que não aconteciam na Inglaterra desde o século XIII. Uma sinagoga em Derby foi incendiada e destruída (JOHNSON, 1989: 521). Isso tudo a apenas dois anos após o fim da Segunda Guerra e a abertura dos campos de concentração na Alemanha! Apesar disso - ou exatamente por isso - a política de Menahen Begin teve êxito: os britânicos decidiram sair o mais rápido possível da Palestina.
No final de 1947, as Nações Unidas propuseram a única solução plausível: o fim do mandato britânico e a divisão da Palestina em dois estados, um judeu e outro árabe; a cidade de Jerusalém permaneceria sob administração internacional, idéia defendida por Theodor Herzl no século XIX. Os sionistas aceitaram, mas dessa vez a voz discordante veio do mundo árabe, que começou a se preparar para a guerra. Os Estados Unidos e a União Soviética votaram a favor da resolução da ONU; a Grã-Bretanha votou contra, mas não tinha mais como controlar os acontecimentos.
Mesmo assim a violência não diminuiu e, em dezembro de 1947, os ingleses anunciaram sua retirada da Palestina para o dia 15 de maio de 1948. Até lá morreriam mais de mil pessoas, entre árabes e judeus.
Um dia antes do término do mandato, 200 líderes judaicos reuniram-se no Museu de Arte Moderna de Telaviv para ouvir o novo Primeiro-ministro da nação, o socialista Ben Gurion (1886-1973), ler uma curta declaração proclamando o estabelecimento do Estado de Israel. O novo país foi logo reconhecido oficialmente pelos Estados unidos e pela União Soviética.
Na manhã seguinte, Israel foi invadido pela Liga Árabe - Líbano, Síria, Iraque, Jordânia e Egito. A desvantagem, tanto em equipamento militar quanto em efetivo de soldados era de Israel: 40 mil muçulmanos contra 35 mil israelenses. Em junho, os sírios avançaram sobre a Galiléia, os iraquianos para oeste, chegando a 15 quilômetros do Mediterrâneo; os jordanianos assediaram Jerusalém, capturando a Cidade Velha e seu bairro judeu. Os egípcios ameaçavam Jerusalém pelo sul.

Mapa da Guerra de 1948 (chamada pelos israelenses de guerra de independência).
Um mediador da ONU, o conde Folke Bernadotte (1895-1948), famoso por haver tentado uma trégua entre a Alemanha nazista e os Aliados (sem sucesso), conseguiu uma trégua de um mês. Os israelenses foram rápidos e aproveitaram a oportunidade para comprar armas (na França e na Checoslováquia) e em julho lançaram uma ofensiva bem sucedida.
Uma nova trégua foi acertada em julho, mas Bernadotte foi assassinado por membros da Stern. Com receio da condenação da opinião pública, Ben Gurion dissolveu a Stern e a Irgun.
De qualquer modo, os israelenses lançaram sua ofensiva, agora melhor equipados e preparados. Em contrapartida, sírios e iraquianos haviam retornado à suas fronteiras; jordanianos estavam dispostos a um cessar-fogo, após terem tomado a Velha Jerusalém; egípcios perderam o sul de Jerusalém para os israelenses. A união árabe durou apenas até o final do primeiro mês de guerra. O Conselho de Segurança das Nações Unidas declarou o cessar-fogo em dezembro de 1948 e no início de 1949 terminou a guerra de independência de Israel, que tinha agora cerca de 20% a mais de terras do que a resolução da ONU de 1947. Mais de 500.000 árabes buscaram refúgio na Faixa de Gaza, no Egito, no Líbano e na Jordânia. Israel tinha um milhão de judeus agora dispostos a defender seu país.
*
Tracei até aqui em breves linhas o surgimento do Estado de Israel e a oposição sistemática do mundo árabe. Grosso modo, esse foi o tom da história do Oriente Médio de 1947 até os dias de hoje. Guerra e morte, invasões e retaliações, ressentimentos e desprezo profundo de ambos os lados. Uma possível explicação para isso é, por um lado, o fato de o Estado de Israel ser uma nação teocrática. Forte economicamente, com o apoio norte-americano, os israelenses possuem uma linha dura de assentamentos já há alguns anos e que tem provocado ainda mais o ódio muçulmano, pois famílias inteiras de islâmicos são desalojadas e entregues à própria sorte.
Por outro lado, os movimentos palestinos recusam-se a reconhecer a existência do Estado de Israel, fato hoje incontestável, e insistem em um discurso que mescla um discurso de expulsão dos judeus da Palestina com outro ainda mais radical, isto é, seu extermínio. Além disso, o apoio irrestrito dos Estados Unidos à política israelense e a ojeriza popular a tudo o que se refere à cultura islâmica (especialmente após os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono) provocam ainda mais os nacionalismos muçulmanos, da Líbia até o Iraque - em que pese o apoio de boa parte das monarquias árabes aos EUA, como vimos durante a Guerra do Golfo. No entanto, é fato que as populações árabes são francamente anti-semitas, por vezes opondo-se publicamente a seus governos.
Assim, concluo esta palestra com bastante pessimismo. A curto/médio prazo não percebo a menor possibilidade de entendimento de ambas as partes. Enquanto existir o binômio Estado/Religião em um país moderno não haverá possibilidade de convivência pacífica multi-étnica ou religiosa dentro de suas fronteiras. A história do ocidente provou que é necessário separar as esferas do poder das verdades da fé. Foi assim que a cultura ocidental conseguiu progresso tecnológico e desenvolvimento econômico, em que pese os problemas existenciais da Modernidade - ou Pós-modernidade. O problema não é religioso ou a religião, pois o homem é um ser que busca e necessita algo transcendental, e sim a utilização que alguns radicais político-religiosos fazem do Estado teocrático para seus próprios fins. Nem o Corão nem a Torah defendem os massacres perpetrados por ambas as partes.
Para que vocês tenham uma idéia das propostas pluralistas e harmoniosas que os religiosos já propuseram ao longo da história humana, termino esta palestra com uma bela citação do Livro do Gentio e dos Três Sábios, um texto escrito por volta de 1274 pelo filósofo Ramon Llull (1232-1316). Um judeu, um cristão e um muçulmano dialogam em uma bela floresta com um ateu sobre as verdades de suas fés. No fim, se despedem
...um do outro muito amável e agradavelmente. Cada um pediu perdão ao outro caso tivesse dito contra a sua Lei alguma palavra vil. Um perdoou o outro e, no momento da partida, um sábio disse: Da ventura que nos ocorreu na floresta, não se seguiria para nós algum proveito? Parecer-vos-ia bem que, por meio das cinco árvores e seguindo as dez condições significadas por suas flores, todos os dias e uma vez por dia disputássemos seguindo as instruções que a Dama Inteligência nos mostrou, e que nosso debate durasse até todos nós três termos uma só fé e uma Lei, e até que tivéssemos entre nós uma maneira de honrar e de servir uns aos outros que nos fizesse concordar? Porque a guerra, o trabalho e a malevolência, e o fazer dano e ultraje impede que os homens concordem em uma crença.
Oxalá chegue o dia que judeus e muçulmanos sentem à mesa, andem pelas ruas e comemorem suas festas e dias sagrados em paz.
*
Bibliografia
HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Mercaz-Wizo-Brasil, 1954.
JOHNSON, Paul. História dos Judeus. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
SOLIMAN, Lotfallah. Por uma História Profana da Palestina. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
WILLMOTT, H. P. “Regresso à Terra Prometida”. In: ALLAN, Tony (dir.). História em Revista - A Sombra dos Ditadores (1925-1950). Rio de Janeiro: Abril Livros, 1993, p. 102-105.