quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Israel na hora da verdade


Veja 15 de novembro de 1995

Em estado de choque com o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, o país tem dedecidir que rumo tomar e o que fazer com seus radicais


William Waack, de Jerusalém


Yigal Amir era um garotão bem-educado, religioso e aplicado, desses capaz de carregar compras de velhinhas nas esquinas de Tel Aviv. No último dia 4, sábado, ele pegou a pistola automática com balas dundum cuidadosamente preparadas pelo irmão e, em nome de Deus, matou o primeiro-ministro Yitzhak Rabin. O assassinato político, o primeiro dessa magnitude da História de Israel, foi cometido para acabar com o processo de paz entre israelenses e palestinos. O que Yigal Amir fez pouquíssimos israelenses aprovaram, mas as coisas que ele diz a metade da opinião pública do país endossa: devolver aos árabes as terras conquistadas é traição, seja do ponto de vista dos religiosos, para os quais a Bíblia é um atestado perpétuo de propriedade, seja do ângulo de quem acha a segurança nacional ameaçada. O crime jogou Israel na hora da verdade.
Uma pergunta decisiva, que já rachava os israelenses, foi exponencializada brutalmente pelo assassinato de Rabin: que país eles querem ter? Israel foi criado para ser um Estado dos judeus, uma nação onde o povo espalhado pela diáspora, traumatizado pelas perseguições anti-semitas e retalhado na carne pelo genocídio nazista, recuperasse a pátria perdida há 2.000 anos e se sentisse em segurança. Aos 47 anos de idade, enfrenta uma crise de adolescência: ainda não conseguiu definir suas fronteiras. Não é um problema de geografia, e sim de religião e de ideologia.
MESSIÂNICOS RADICAIS - Ironicamente, o conflito que custou a vida a Rabin começou com a formidável vitória militar alcançada em 1967, quando era o chefe do Estado-Maior do Exército israelense que conquistou a Cisjordânia, entre outros territórios árabes. A partir dali, Israel foi-se dividindo em dois grandes blocos. A "direita" acredita na Grande Israel e quer anexar os territórios ocupados, mesmo ao preço de perpetuar o domínio ilegal e odioso sobre a população palestina. Para a "esquerda", as conquistas territoriais de 1967 são um bom trunfo na hora de negociar compromissos e acordos de paz duradouros com os árabes. Não foi por generosidade ou espírito de conciliação que homens como Rabin, um inflexível general que, quando ministro da Defesa, mandava quebrar os ossos dos jovens palestinos que resistiam a pedradas, concluíram que a ocupação era mau negócio. Na Cisjordânia vivem 1,5 milhão de palestinos, e incorporá-los a Israel, além de alterar a própria concepção de um Estado judeu, seria garantia de dor de cabeça eterna. Em 1992, ao assumir o governo como primeiro-ministro, pôs mãos à obra e assinou a paz com a OLP, a quem começou a devolver os territórios.
Os acordos de paz concedem o mínimo dos mínimos possíveis aos palestinos e a reação dos fundamentalistas árabes, com pavorosos atentados suicidas, obscureceu de certa forma, para o resto do mundo, a oposição israelense. Enquanto suicidas palestinos explodiam bombas assassinas, aumentava também a radicalização da facção religiosa-messiânica israelense, para a qual os territórios conquistados em 1967, contendo lugares tantas vezes mencionados na Bíblia, como Hebron, Jericó ou Nablus, são o coração da civilização judaica, e entregá-los eqüivale a afrontar a vontade divina.
"AGORA É TARDE" - A longo prazo, argumentavam os "pacifistas", a segurança nacional estaria mais garantida com a separação entre judeus e palestinos. Mas no curto prazo, com a multiplicação dos atentados, a direita, sob o comando do Likud, faturou em cima da sensação de insegurança. Com uma retórica extremamente agressiva, passou a acusar Rabin de trair os destinos de Israel. "Agora é muito tarde", disse Lea Rabin, a viúva, quando o principal líder do Likud, Benjamin Netanyahu, tentou cumprimentá-la no enterro do marido, em Jerusalém. Sua fúria explodiu numa série de entrevistas nas quais acusou diretamente Netanyahu e colegas de haver criado o ambiente no qual o assassinato acabou parecendo uma conseqüência lógica. "Eu senti que esse crime ocorreria, ele estava pintado nas paredes, estava sendo anunciado", disse o professor Ehud Sprinzak, a maior autoridade israelense em extremismo de direita.
O crime deixou os israelenses em estado de choque. Ver um chefe de governo tombar sob balas terroristas já é traumatizante para qualquer país, mas em Israel o assassinato se agravou pelo sentimento de que um tabu quebrado - o de que judeus não matam outros judeus. O argumento teológico invocado por Yigal Amir, o de que o crime não só se justifica como era necessário por se tratar de um "traidor" do povo judeu, tem pelo menos uma virtude perversa: obriga os israelenses a decidir se querem ser um país moderno, com relações relativamente normalizadas com seus vizinhos, ou um povo aferrado a interpretações messiânicas dos textos bíblicos, em guerra santa por terra.
Embrulhado na legitimidade democrática e no manto de seu antigo rival, o chanceler e primeiro-ministro interino Shimon Peres, sucessor de Rabin, garantiu que o processo de paz continuará. Nesta segunda-feira, deve estar completada a retirada dos soldados israelenses da cidade de Jenin, no norte da Cisjordânia, o primeiro centro urbano importante da região a passar para as mãos da Autoridade Palestina, presidida por Yasser Arafat. Barrado no enterro de Rabin por ordem direta de Peres, com base no tamanho da confusão que poderia acontecer, Arafat foi levado na noite de quinta-feira, em um pequeno avião israelense, de Gaza até Tel Aviv para um encontro com Lea Rabin. "Era minha obrigação apresentar minhas condolências pela perda de um parceiro na rota da paz", disse Arafat.
Os noventa minutos que passou em Tel Aviv evidentemente têm um significado muito maior que uma visita de pêsames. Foi a primeira vez que Arafat pôs os pés em Israel, assim como o rei Hussein, da Jordânia, e o presidente Hosni Mubarak, do Egito, ambos convidados oficiais para o simples e comovente enterro que reuniu a nata da liderança mundial (o governo FHC, num acesso de caipirice, enviou o vice Marco Maciel).
A visita inédita dos dirigentes árabes foi um dos subprodutos dolorosamente benéficos do assassinato de Rabin. Outro fator positivo é que o repúdio a um crime dessa magnitude ajuda a isolar o ovo da serpente, os fundamentalistas e radicais cuja periculosidade se tornou flagrante. As manifestações coletivas de pesar e as homenagens a Rabin criaram um sentimento de união nacional que evoca de certa forma os tempos heróicos da fundação de Israel - e que Peres pretende utilizar até as eleições de outubro do ano que vem, conforme estava programado. Esse sentimento pode prevalecer, ou a trégua política pode durar apenas até a próxima bomba de um terrorista árabe. Agora, porém, o terror também está entre eles, não há mais desculpas para achar que o inimigo é, somente, o outro.

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