quinta-feira, 6 de agosto de 2009

VEJA Edição 1 746 - 10 de abril de 2002
Especial A Guerra no Oriente Médio
HOMENS E MULHERES-BOMBA
Abdel-Basset Odeh (na foto superior.), que matou 21 civis em plena Páscoa judaica, era integrante do Hamas. Aparentemente, ninguém na família da pacata Ayat Akhras (na foto inferior.) sabia que ela era terrorista. A moça, de 16 anos, matou duas pessoas numa explosão em Jerusalém
A fúria de Ariel Sharon produziu um milagre na Terra Santa: transubstanciou Yasser Arafat, que já não gozava mais de tanto prestígio entre os palestinos, em símbolo da resistência de um povo oprimido. Sitiado pelo Exército israelense em seu QG, na cidade de Ramallah, o chefe da Autoridade Palestina agora é apoiado publicamente pelos grupos terroristas dos quais tentava até a semana passada manter distância – pelo menos, na aparência. Os líderes do Hamas, da Jihad Islâmica e da Brigada Al Aqsa, secundados por representantes de facções menores, anunciaram ainda que passarão a agir de maneira coordenada. Traduzindo: virão por aí mais e mais atentados contra civis em Israel. A escalada da violência na região é impressionante. Só em março deste ano, 115 israelenses morreram pelas mãos de terroristas. Esse número representa mais que um quarto do total de vítimas do ano passado inteiro.

Quem não está enfronhado na história do conflito pode ser levado a acreditar que os atos terroristas são uma saída legítima, ainda que irracional, para a justa aspiração de construção de uma pátria palestina. É um equívoco. Os atentados só fazem fortalecer politicamente os integrantes da ala belicosa de Israel, capitaneados por Ariel Sharon, que pregam o uso da força e desejam rever os acordos de paz firmados no passado. Além disso, a maioria dos grupos radicais que lançam mão do terrorismo não quer apenas conquistar um território para os palestinos. Quer também a destruição de Israel e a formação de um Estado islâmico, nos moldes dos que existem no mundo árabe. Para esses radicais, qualquer possibilidade de paz com o inimigo significa um revés. Os homens-bomba, portanto, recrutados entre os jovens, não sãso, a maioria dos grupos radicais que lançam mão do terrorismo não quer apenas conquistar um território para os palestinos. Quer também a destruição de Israel e a formação de um Estado islâmico, nos moldes dos que existem no mundo árabe. Para esses radicais, qualquer possibilidade de paz com o inimigo significa um revés. Os homens-bomba, portanto, recrutados entre os jovens, não são fruto apenas do desespero, mas de uma estratégia perversa, que visa a aniquilar qualquer perspectiva de convivência entre palestinos e israelenses.

O mais articulado dos grupos terroristas palestinos é o Hamas. A ele pertencia Abdel-Basset Odeh, autor do atentado que, em plena Páscoa judaica, matou 21 civis num hotel na cidade litorânea de Netanya. Essa foi a ação que serviu de pretexto para Israel confinar Arafat e invadir as cidades administradas pela Autoridade Palestina. O Hamas foi a primeira organização terrorista da região a usar homens-bomba. Em 1993, por exemplo, lançou mão do recurso para tentar sabotar os acordos de paz assinados em Oslo, na Noruega. O grupo tem forte ascendência sobre a juventude palestina porque desenvolve também trabalhos assistenciais, pilotando escolas, clínicas e creches. Toda essa infra-estrutura é financiada com o patrocínio de outros países árabes, que injetam no Hamas cerca de 40 milhões de dólares por ano.

Recentemente, apareceu nesse cenário sombrio a Brigada Al Aqsa. Em tese, é uma dissidência militarizada da Fatah, a organização fundada por Yasser Arafat em 1959. Ela responde por 70% dos atentados executados neste ano. Um dos caciques da Fatah, Marwan Barghouti, assumiu alguns dias atrás ser o chefe da Al Aqsa. Esse fato só reforça a tese de que Yasser Arafat realmente fazia jogo duplo, como o acusa Ariel Sharon: de um lado, negociava com os israelenses, comprometendo-se a prender terroristas; de outro, dava seu aval a grupos radicais. Entre os grandes movimentos do terror, há ainda a Jihad Islâmica, que tem dificuldade de recrutar colaboradores, e o libanês Hezbollah. Essa última organização, que nasceu para combater as tropas israelenses que ocupavam o sul do Líbano em 1982, voltou a dar o ar de sua falta de graça. Seus líderes decidiram apoiar os palestinos e atacaram postos do Exército israelense na semana passada. O caldeirão de ódio fervilha mais do que nunca e, para piorar, agora contém outro ingrediente preocupante: a mulher-bomba. A primeira foi Wafa Idris, de 28 anos, que cometeu um atentado em janeiro deste ano. Os palestinos a saudaram como uma espécie de Joana d'Arc. Há duas semanas, uma jovem de 16 anos, Ayat Akhras, que estava de casamento marcado, provocou uma explosão num supermercado de Jerusalém, matando duas pessoas e ferindo 150. Aparentemente, ninguém na família da moça sabia que ela participava de um grupo fundamentalista. Depois do atentado, militantes da Al Aqsa disseram que Ayat Akhras integrava uma recém-formada ala de mulheres suicidas.

Na semana passada, analistas aventavam a hipótese de que Israel gostaria de ter o Hamas como interlocutor, em vez de uma raposa como Arafat. Um indício dessa intenção seria o fato de o Exército israelense ter poupado até o momento, em sua caça a terroristas, os chefes do Hamas – dos quais o mais importante é Ahmed Yassin. Velho, paraplégico e em prisão domiciliar decretada pelo próprio Arafat, ele seria presa fácil para os soldados israelenses. O líder da Autoridade Palestina talvez não seja mais a pessoa ideal para ter do outro lado da mesa de negociação. Mas a tese de que Sharon poderia achar mais confortável negociar com terroristas que defendem a aniquilação de Israel é só mais uma amostra da insanidade que campeia em torno dessa guerra no Oriente Médio.

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