segunda-feira, 7 de maio de 2012

1º de outubro de 1980



As chamas da guerra no golfo Pérsico



Liberando velhos ódios, Irã e Iraque desatam um conflito em que todos podem perder
Para grande surpresa do Irã, o "Grande Satã" tantas vezes vislumbrado pela revolução islâmica do aiatolá Khomeini acabou se materializando no golfo Pérsico na semana passada. Ele veio acompanhado de um séquito de tanques, tropas, aviões de combate e navios de guerra, e com as piores intenções possíveis: derrotar militarmente o regime dos turbantes instalado em Teerã e sagrar-se guardião da região que fornece quase 60% do petróleo de todo o ocidente. Só que o "Grande Satã" não apareceu com a cara que Khomeini garantia - pois, ao contrário de suas visões, não foram os Estados Unidos o ímpio invasor e, sim, o vizinho Iraque do aguerrido presidente Saddarn Hussein. Pouco importa. Para Ruhollah Khomeini, cujo país começou a ser bombardeado na segunda-feira passada, "há um demônio que ameaça nossa revolução". Ao mesmo tempo, na sexta-feira, ele próprio tinha de assegurar que estava vivo, pois a Rádio de Bagdá anunciava sua "chegada ao inferno".
Ninguém sabe com precisão quando nem onde começou essa guerra. Escaramuças e choques de fronteira entre os dois países sempre foram freqüentes, motivados por uma secular lista de rivalidades, contenciosos territoriais e, mais recentemente, disputas ideológicas. Se alguém se der o trabalho de inventariar, é até possível que a primeira vítima dessã guerra tenha sido um anônimo marinheiro japonês ferido na manhã de segunda-feira quando seu neutro petroleiro "Camilla" passava, com três outros navios, pelo disputado estuário de Shatt al Arab - e foi atingido pela artilharia iraniana por estar envergando a bandeira do Iraque.
Em todo o caso, foi em resposta a essa agressão localizada que o Iraque se desinibiu militarmente e desencadeou o ato inicial da guerra aberta contra seu grande rival: numa operação fulminante, um comando de caça-bombardeiros Mig, de fabricação soviética, espalhou-se pelos céus do Irã e passou a atacar simultaneamente dez bases aéreas inimigas, inclusive o aeroporto de Mehrabad, em Teerã. Com essa blitz, o alto comando iraquiano calculava inutilizar de um golpe só todo o poderio aéreo do Irã e assim repetir o feito arrasador de Israel que, na Guerra dos Seis Dias, em 1967, imobilizou no solo a aviação do Egito, abrindo as portas para uma vitória geral.
PREÇO REAL - Não foi bem assim. Até o final da semana, aviões iranianos Phantom, de fabricação americana, continuavam decolando de bases no Irã para infligir pesados danos a cidades e alvos industriais do inimigo, inclusive a capital, Bagdá. Também as tropas e os tanques do Iraque, que no segundo dia da guerra irromperam ao longo de toda a fronteira ocupando uma faixa de 20 a 80 quilômetros de território do Irã, encontraram uma resistência inesperada de um Exército que se pensava desmantelado depois dos três primeiros dias de guerra - conseqüência inevitável do delirante processo de desorganização, expurgos e desmoralização que vem sofrendo desde a queda do ex-xá Mohammed Reza Pahlevi.
Até a manhã de sábado, a vantagem militar continuava sendo do Iraque, mas o preço real da guerra era alarmante para o mundo inteiro: pela primeira vez, desde o boicote árabe de 1973, a produção de petróleo do Oriente Médio era paralisada bem em seu coração. Refinarias inteiras, complexos petroquímicos, terminais petrolíferos, poços de produção e oleodutos ardiam em chamas nos dois países em guerra, inutilizados. Embora duramente golpeado, o Irã conseguira atingir a jugular econômica de seu agressor, obrigando o Iraque a suspender por completo suas exportações de petróleo. Não era pouca coisa. O Iraque é o quarto produtor e o segundo exportador de petróleo do mundo, com mais de 3 milhões de barris diários, e, junto com o Irã, opera quase 20% das vendas de combustível de toda a OPEP. Tudo isso seria um tanto remoto e abstrato para o Brasil se o governo brasileiro não comprasse ali 400 000 barris diários, algo como metade de suas importações e mais de um terço de todo seu consumo - situação compartilhada por países como a França, Itália e Japão, que se abastecem em mais de 50% de suas necessidades petrolíferas no mercado iraquiano. Pela primeira vez, na recheada história das guerras no Oriente Médio, uma delas passava a ter reverberações sensíveis no Brasil.
Também pela primeira vez, um conflito de tão grandes proporções na região seguia uma trajetória própria, sem possibilidade decisiva de mediação ou influência das grandes potências. Com isso embaralhava-se por completo o tradicional jogo de alianças automáticas. Afora a constatação genérica de que tanto o bloco comunista quanto o ocidente receberam com satisfação variada a notícia de uma guerra contra o país do aiatolá Khomeini - inegavelmente, um dos regimes mais detestáveis, incômodos e criadores de caso que o mundo contemporâneo já conheceu -, era difícil precisar posições entre a hesitante comunidade internacional. Muitos países, entre eles Israel, não sabiam sequer com segurança de que lado estavam seus interesses reais e pela vitória de quem deveriam torcer. Outros tantos, perenemente aterrorizados com tudo quanto diga respeito a petróleo, reagiram por reflexo condicionado - correndo a declarar sua neutralidade antes mesmo de saber direito o que estava acontecendo.
AMADORISMO - De qualquer forma, ninguém se arriscaria a apostar tudo numa vitória arrasadora de uma das partes. Embora Iraque e Irã tenham gastado a maior parte de seus petrodólares na aquisição de imponentes arsenais bélicos, nenhum dos dois países havia testado suas Forças Armadas numa guerra total - em ambos os casos, a força militar costumava ser empregada sobretudo contra suas próprias populações. No caso específico de algumas batalhas aéreas da semana passada, acompanhadas pelas estações de radar dos vizinhos Kuwait e Qatar, esse amadorismo saltava aos olhos. "Parecia uma batalha da II Guerra Mundial de tanto tempo que demorava", conta um analista ocidental que observava um confronto de cinco aviões a 10 minutos de distância. "Em lugar de um ataque ultra-rápido, perfeitamente possível com esses jatos modernos equipados de metralhadoras que miram e disparam por meio de sofisticados sistemas de radar, os caças iranianos e iraquianos mergulhavam e giravam feito loucos à procura do melhor ponto de mira. Ou eles não sabem atirar, ou não sabem mirar", concluiu.
Até mesmo o primeiro bombardeio do Iraque contra o aeroporto de Teerã, tão festejado pela imprensa de Bagdá, foi um exemplo de deficiência dos dois lados. Bastou que os quatro Mig envolvidos no ataque pedissem autorização de aterrar em farsi, a língua oficial do Irã, e pronunciassem o código da manobra, para que o espaço aéreo lhes fosse aberto pelos iranianos. Em contrapartida, dos catorze foguetes que os pilotos do Iraque dispararam sem qualquer impedimento por parte do inimigo, apenas três explodiram. Acrescente-se a isso o fato de que o alto comando militar do Irã foi virtualmente decapitado pela execução ou o exílio de seu corpo de generais, logo após a queda do ex-xá, e que o comando militar do Iraque domina mal a logística de uma guerra moderna, e está explicado o porquê do aparente impasse dos combates.
NA FRONTEIRA - Habituado à geografia relativamente simples das guerras entre árabes e israelenses, com o deserto de um lado e as colinas sírias de Golan do outro, o mundo de certa forma esperou que se repetissem as velozes marchas que egípcios e judeus empreendem, desde 1948, pelos desertos do Sinai e do Neguev. A propaganda iraquiana chegou a sugerir que suas tropas marchavam na direção de Teerã. Essa tarefa, por enquanto, é praticamente impossível - a guerra ainda está em torno do quintal da fronteira de cada um, na confluência dos rios Eufrates e Tigre, embora nesta primeira semana os combates terrestres tenham-se travado só dentro do território do Irã, que não conseguiu atravessar nenhum soldado para o terreno inimigo. A cidade de Khorramshar, que Bagdá tomou pelo rádio e depois teve que reconhecer que ainda não estava em seu poder, está praticamente na fronteira entre os dois países. O mesmo sucede com Abadã, sede da maior refinaria do mundo.
A menos que esta guerra pudesse durar de seis meses a um ano, o Iraque, mesmo com sucessos militares, pode ambicionar apenas à conquista da faixa de terra do estuário do rio Karun, onde estão, a pequena distância, Abadã e Khorramshar. Qualquer ofensiva ao norte, onde está Teerã (a quase 600 quilômetros da fronteira), tem de levar em conta um obstáculo mais forte que as Forças Armadas do Irã em qualquer tempo: a cadeia de montanhas dos montes Zagros, região árida e de acesso tão assustador que, em 5 000 anos de civilização, foi ocupada apenas por pastores nômades. A fronteira entre os dois povos, que já se moveu centenas de vezes desde que o persa Ciro tomou Babilônia, perto de Bagdá, há 2 519 anos, favorece o Irã, pois ela termina com as encostas das montanhas e, em território iraquiano, há apenas planícies. Assim, seria teoricamente muito mais fácil que o Exército do Irã, invadindo o Iraque, se aproximasse de Bagdá, a menos de 200 quilômetros, que uma delirante marcha sobre Teerã - que requereria um maciço lançamento de pára-quedistas do outro lado das montanhas, com um gigantesco apoio de equipamentos transportados por via aérea inteiramente fora do alcance do Iraque. O Iraque pode vencer a guerra, mas não tem como ocupar o Irã nem como submetê-lo a uma clássica rendição incondicional.
NENHUMA VITÓRIA - Estrategicamente, o feérico tiroteio mútuo sobre as refinarias não leva a guerra a um desfecho rápido. Destruindo parcialmente Abadã, o Iraque não consegue efeitos militares imediatos. O mesmo sucede com o Irã, que arrasou as instalações iraquianas de Basra. A destruição de refinarias, do ponto de vista militar, prepara o enfraquecimento final do inimigo, mas não o acelera - na primeira semana de uma guerra, colocar fora de combate uma esquadrilha de Phantom vale mais que milhares de barris de óleo queimados. Na verdade, o efeito mais visível dessa recíproca fúria contra as refinarias talvez seja fazer com que Irã e Iraque, ironicamente, se tornem os primeiros países a sofrer o racionamento de combustível com que ameaçam o resto do mundo.
Por isso o Irã, mesmo abalado para o futuro com os golpes sofridos, mantém uma capacidade militar imprevisível. Até a manhã de sábado, o Iraque não conseguira nenhuma vitória absolutamente decisiva sobre o que os estrategistas chamam de "os tendões da guerra". Os iraquianos entraram algumas dezenas de quilômetros em território do Irã mas isso não lhes dá grandes vantagens militares. Mesmo o bombardeio das duas capitais pouco significado tem, pois os dois países, atirados em corridas armamentistas de propaganda, dispõem sempre de modernos aviões de combate e de incompetentes sistemas de defesa aérea. A defesa do Irã, no passado manejada por americanos, estava praticamente fora de operação. A do Iraque, quase inexiste. De toda a forma, era inegável que, na primeira fase da guerra, o Iraque detinha claramente a iniciativa, conquistara no território inimigo posições importantes para futuras negociações e golpeara mais fundo a economia e as Forças Armadas do Irã do que fora atingido pela resistência e pelos contra-ataques iranianos.
Assim, a primeira semana de guerra entre os dois países parece destinada a terminar com muita fumaça e grandes lances de propaganda ao lado de pequenos resultados militares. De concreto, há pouco mais que o óbvio: o fato de o Iraque ter ocupado um espaço, ainda que pequeno, do Irã, coisa impensável há dois anos, e, como conseqüência, o fato de o Irã ter aprendido na carne o preço histórico da liquidação de boa parte do comando de suas Forças Armadas - além, naturalmente, de estar pagando o preço pela arrogância do xá que, entre outras coisas decidiu construir a maior refinaria de petróleo do mundo bem na fronteira com seu maior inimigo.
TENTAR A CHANCE - Foi a convicção de que o Irã de Khomeini estava golpeado internamente pelo caos e pelo fanatismo, e se encontrava pela primeira vez maduro para ser desafiado, que levou Saddarn Hussein a tentar sua chance histórica. Ele estimou que talvez jamais se repetissem condições tão favoráveis para o Iraque árabe derrotar o antigo império persa e com isso arrebatar para si o papel de senhor do golfo Pérsico, sem titular desde a saída de cena de Reza Pahlevi. O momento também parecia extremamente propício para Hussein ocupar uma segunda vaga na região: a de líder do mundo árabe, acéfalo desde que o nacionalista egípcio Gamal Abdel Nasser morreu em 1970.
O sucessor de Nasser, Anuar Sadat, decidiu abdicar dessa honra ao ousar tentar uma fórmula de paz com o Estado de Israel. A Árabia Saudita, líder religiosa da causa árabe, também não poderia ocupar nenhuma posição de ponta por falta absoluta de gente - ainda recentemente, teve de iniciar negociações para importação de 10 000 soldados paquistaneses para garantir sua própria segurança interna. Quanto à estridente Síria, sempre pronta a guerras verbais contra Israel, ela não tem petróleo, perdeu todos os confrontos militares nos quais se envolveu e ainda não conseguiu sequer libertar suas próprias colinas de Golan da ocupação israelense. Segundo os cálculos do presidente do Iraque, se ele conseguir obter a devolução para mãos árabes de três ilhotas estratégicas situadas à entrada do vital estreito de Hormuz, abocanhadas pura e simplesmente pelo xá do Irã em 1971, os países da região terão com ele uma dívida de defesa da honra árabe. E também da defesa do escoamento do petróleo do golfo Pérsico, que tem no estreito de Hormuz seu mais delicado gargalo. As três ilhas - Abu Musa, Grande Tomb e Pequena Tomb - controlam a passagem do estreito, cruzado a cada dia por 140 navios, 70% dos quais são petroleiros.
MOBILIZAÇÃO - Se, de quebra, a ofensiva iraquiana conseguir arrancar do Irã, na hora do acerto de contas, uma autonomia maior para as regiões de maioria árabe, além do controle definitivo pelo governo de Bagdá do estuário de Shatt al Arab, a guerra terá valido a pena para Saddam Hussein. O ideal, para o Iraque, seria um rápido congelamento do conflito armado por algum tipo de mediação islâmica antes que suas forças comecem a dar sinais de desgaste. O interesse do Irã, em contrapartida, reside justamente num prolongamento da guerra para permitir que suas deficiências bélicas sejam substituídas por algum tipo de gigantesca, embora caótica, mobilização popular. Afinal, o Irã tem 36 milhões de habitantes contra apenas 12 milhões do Iraque, e parte da resistência a um avanço maior iraquiano na região de Abadã se deve, justamente, a uma participação da população iraniana local na defesa da cidade.
Ironicamente, o político iraniano mais cotado para substituir o aiatolá Khomeini em caso de desagregação de seu regime foi também quem menos compreendeu a profundidade da ferida nacional iraniana no momento. Shapur Baktiar, último chefe do governo da era Pahlevi, e atualmente exilado em Paris, apostou todas suas fichas numa vitória rápida e completa das forças iraquianas e numa conseqüente desmoralização geral do atual regime de Teerã. Na verdade, ele saberia há quase um mês dos planos de invasão de Bagdá e teria feito um acordo com o próprio Saddam Hussein para ser empossado como líder do governo iraniano dos pós-guerra.
Sua força de sustentação era um grupo de ex-oficiais do falecido Reza Pahlevi, chefiados pelo general de quatro estrelas Gholam Ali Oveissi, de 60 anos, ex-chefe do Estado-Maior e atualmente exilado também em Paris. Oveissi é chamado pelos seguidores do aiatolá de "açougueiro de Teerã" porque, em 1978, quando era governador militar da capital, cerca de 3 000 manifestantes contra o xá foram mortos por seus soldados. Segundo revelou a revista alemã Stern, Oveissi comandava uma diáspora de quase 65 000 soldados fugidos do Irã, preparando-os no Egito, em Bahrein, Omã e Iraque para a "hora H" da tomada do poder.
MENSAGEM - Mas, mesmo para iranianos que secretamente desejam ver o país livre do regime dos turbantes, uma volta de Baktiar nos braços do invasor parece ter soado indesejável - e tudo o que os golpistas em potencial conseguiram até o momento foi a reprovação generalizada. Considerados traidores da pátria, do Islã e de Alá, Baktiar e Oveissi não dispunham, até o final da semana, de nenhum apoio político aparente - e dificilmente conseguiriam ter sua imagem retocada num futuro próximo.
Na verdade, o Iraque é um inimigo tão visceral dos iranianos que essa guerra já provocou um até então impensável embrião de ponte entre o Irã do xá Reza Pahlevi e o Irã do aiatolá Khomeini: na tarde de quinta-feira, o príncipe herdeiro Reza Ciro, filho mais velho do xá e tantas vezes ameaçado de morte pelos líderes atualmente no poder em Teerã, enviou mensagem ao novo comandante do Exército iraniano oferecendo-se para lutar nas fileiras de seu país. É bem verdade que o oferecimento foi feito em Paris, e não num avião rumo ao campo de batalha, mas seu gesto não pode lhe render juros. No dia seguinte, o próprio aiatolá fazia chegar aos círculos de oficiais iranianos exilados no exterior o recado de que eles estavam sendo convocados para juntar-se "na luta pela independência do Irã".
Acreditando na carta de Baktiar, o Iraque também pode ter cometido seu grande equívoco em relação ao desdobramento da crise iraniana. Caso a guerra liquide ou entorpeça o poder religioso de Khomeini, é bastante provável que o novo homem forte do Irã esteja, nesses dias, em algum campo de combate. Afinal, quase sempre que uma revolução mata reis e generais instalando períodos de anarquia que levam à invasão do território do país, surge um general que se intitula salvador da pátria. O patrono dessa espécie é Napoleão Bonaparte, que começou sua vida derrotando os ingleses no cerco de Toulon.
SUPERPOTÊNCIAS - O arranque inicial desta guerra entre dois dos cinco maiores exportadores de petróleo do mundo revelou que esta é uma guerra cujo efetivo resultado só se poderá calcular a posteriori - isto é, terá vencido de fato o país que tiver sofrido menos danos nas instalações de produção, processamento e exportação de sua riqueza vital. Irã e Iraque são países ricos em recursos naturais, mas investiram grandes partes de seu produto em instalações petrolíferas - e não há a menor dúvida de que o fruto de toda uma geração de esforços feitos por um e outro lado está sendo seriamente comprometido por este conflito Outra hipótese sobre a qual se pode depositar seguras fichas é a de que, consolidado um cessar-fogo, haverá uma generalizada revoada de voluntários para colaborar na reconstrução dos dois litigantes - o ocidente, principalmente, deverá colocar à disposição de Irã e Iraque todos os recursos tecnológicos disponíveis para consertar tudo o que tiver sido danificado e substituir o que não puder mais ser reparado. Em Washington, havia até um certo otimismo na sexta-feira quanto à hipótese de alguns reparos poderem ser feitos a curto prazo.
O conflito, de todo modo, serviu para consolidar um pouco mais uma vertente histórica que se esboçava desde a guerra do Vietnã - a de que o mundo, afinal, a cada passo se torna insuscetível de ser moldado pelas superpotências. De um lado, a superpotência americana está na difícil situação de manter relações inamistosas com o Iraque e péssimas com o Irã - com o primeiro os EUA não têm relações diplomáticas e com o segundo, além de não terem, não conseguem sequer soltar seus diplomatas, seqüestrados desde novembro passado pelo governo iraniano. Durante a semana passada, em que se teria um conflito capaz de por em xeque o suprimento de petróleo para o ocidente, os EUA não trocaram qualquer mensagem direta com o Irã - e tudo o que obtiveram com o Iraque foi um contato formal e infrutífero com um diplomata iraquiano de segundo escalão acreditado junto à embaixada da Índia em Washington.
A URSS, por sua vez, teve que executar malabarismos semânticos e diplomáticos desde que foi disparado o primeiro tiro. Tendo um tratado de amizade e cooperação com o Iraque, mas tentando flertar com o Irã desde a queda do xá, Moscou declarou-se neutra no conflito e, comicamente, conseguiu acusar os Estados Unidos pela invasão do Irã sem sequer mencionar quem, afinal, de fato havia invadido seu vizinho - o Iraque. O mundo está cada vez mais complexo e multifacetado, desafiando os rótulos fáceis e os alinhamentos automáticos do passado - e, nesse sentido, essa guerra talvez seja o exemplo mais eloqüente.

GUERRA IRÃ X IRAQUE

GUERRA IRÃ X IRAQUE
Dois países do Oriente Médio entraram em guerra por questões territoriais. Na verdade se tratava de um problema imposto por ocasião de uma tentativa de Sadam Husseim em ampliar seu território e conseguir aumentar os seus recursos provenientes da extração de petróleo. Se conseguisse expandir suas terras com parte do território iraniano, Husseim sairia da condição de terceiro ou quarto lugar nas exportações, para chegar ao segundo ou até primero lugar, superando a Arábia Saudita. Era pura ganância, mas na outra parte da questão, existia o problema da Guerra Fria entre EUA e a então URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
Inicialmente os EUA se posicionaram em favor do Iraque por interesses comerciais que não conseguia obter no Irã que impedia acordos comerciais com os EUA e declaravam claramente sua oposição ao sistema comercial americano, tendo como governante nada menos que um extremista religioso Aiatolá Khomeini. Com a posição americana em favor dos iraquianos, os soviéticos se colocaram em favor de Khomeini por oposição quase que convencional, ou seja, se um lado estiver a seu favor, o outro estará a meu lado.
Para invadir o Irã, os EUA queriam um auxílio e neste sentido, a presença e interesses de Husseim eram favoráveis e iam no encontro do interesse norte-americano.
Nos EUA a indústria bélica passou a se enriquecer, pois o Iraque não restringia nada que se referisse à compra de armamentos pesados. Comprava tudo o que estivesse disponível pelos americanos.
Do outro lado, o Irã fez o mesmo sem determinar limite algum para seu orçamento bélico, estando mais preocupado em conseguir armas que competissem em paridade com os armamentos que viam no outro lado.
Deste modo, o confronto entre Irã e Iraque também serviu como forma de comparar armamentos pesados e mesa de testes para analisar os equipamentos tanto por parte dos EUA, quanto por parte da URSS.
De olho neste mercado fabuloso, França, Itália e Inglaterra começaram a produzir armamentos pesados, metralhadoras, armas de multiplicidade, tanques de guerra, caças, entre outros.
Só para se ter idéia do que isso representou, em 1986 o PIB francês tinha mais de 80 % advindos da venda de armas.
Os franceses ganhavam muito com a venda de metralhadoras, tanques de guerra, mas principalmente os caças Mirrage que confrontavam com os Mig soviéticos, que tinham ainda os F-5 americanos para terem de superar.
Esta condição permitiu que EUA, URSS, França, Inglaterra e Itália, conseguissem se manter na condição de riqueza e estarem entre alemães e japoneses que apesar de terem sido destruídos na 2a. Grande Guerra, se mantinham como duas entre as três maiores potencias comerciais, algo que se perpetua até os dias atuais.
Mas a guerra imbecil entre Irã e Iraque acabou e dos outros cinco, somente os EUA e a atual Rússia, conseguem se manter no cenário internacional com certa representatividade. França, Inglaterra e Itália, passaram a perder capacidade comercial para China, Índia e Brasil.
Este último só não consegue se engajar no cenário internacional e perde sua oportunidade, por estar enfrentando crises burocráticas, extrema corrupção e falta de capacidade administrativa, impedindo o Brasil de se tornar uma das sete maiores potencias econômicas do mundo moderno.


Publicado em: agosto 10, 2007