terça-feira, 4 de agosto de 2009

Internacional Todos estão fartos do IRA

Revista Veja Edição 1897 . 23 de março de 2005
Americanos agora também tratam a organização irlandesa como ela é, um grupo terrorista


José Eduardo Barella


O senador Ted Kennedy com as irmãs e a namorada de McCartney, em Washington: indignação


Com uma história de mais de três décadas de terrorismo em nome de uma causa nacionalista, o Exército Republicano Irlandês (IRA) já não convence ninguém – nem os católicos da Irlanda do Norte, que o grupo armado pretende representar, nem seus descendentes americanos, que sempre nutriram simpatia por suas motivações. O desgaste ficou claro na semana passada, nos Estados Unidos. Pela primeira vez em dez anos, os dirigentes do Sinn Fein, o braço político do IRA, foram barrados na festa anual da Casa Branca para comemorar o santo padroeiro dos irlandeses. Para completar, Gerry Adams, o principal líder do Sinn Fein, recebeu uma porta na cara do senador americano Edward Kennedy, que sempre se mostrou simpático à causa de unir à República da Irlanda a província que hoje é parte da Inglaterra. Espécie de patriarca dos irlandeses-americanos, ele recusou-se a receber Adams para uma reunião.
A mudança de atitude deve muito à coragem de cinco católicas irlandesas, com quem, aliás, o senador democrata se encontrou na semana passada. Elas se transformaram em celebridades pela persistência com que exigem que sejam levados à Justiça os assassinos – todos eles militantes do IRA – de seu irmão, Robert McCartney, em uma briga de bar em Belfast, a capital da Irlanda do Norte. Em sua peregrinação por Washington, as McCartney foram recebidas até pelo presidente George W. Bush. A desmoralização do IRA e de seus representantes políticos nos Estados Unidos é um golpe letal para a linha terrorista do nacionalismo irlandês, que tinha nos 40 milhões de descendentes irlandeses do país uma boa fonte de doações e de sustentação moral. Dissolveu-se finalmente o paradoxo representado pelos americanos que apoiavam, por atavismo, um grupo terrorista no momento em que seu país está empenhado numa guerra global ao terrorismo.
O IRA deveria ter saído de circulação em 2001, quando renunciou à luta armada no contexto de um acordo de paz. Na verdade, o grupo continua valendo-se de seus métodos violentos e, agora, atua mais como uma organização criminosa comum do que como uma entidade política. Na sua lista de pecados recentes está o roubo de um banco no setor católico de Belfast, em dezembro passado, do qual foi levado o equivalente a 140 milhões de reais. Foi o maior crime desse tipo no Reino Unido desde o histórico assalto ao trem pagador, em 1963. O uso de armas pesadas e o estilo militar do roubo fizeram as suspeitas cair imediatamente sobre o IRA, o único grupo com capacidade e experiência para uma ação dessas na Irlanda do Norte. O assalto ajudou a melar as negociações iniciadas dias antes entre os líderes do Sinn Fein e o principal partido da maioria protestante para retomar um acordo suspenso em 2002. A nova negociação, que previa a divisão mais equilibrada de poder na administração da Irlanda do Norte, prometia ser o golpe final na disputa de 300 anos entre católicos e protestantes que, desde o surgimento do IRA, levou à morte de 3.600 pessoas.
O segundo episódio a expor a faceta mafiosa do IRA foi o assassinato de Robert McCartney e a posterior campanha de suas irmãs por justiça. Os detalhes da morte de Robert, no fim de janeiro, mostraram a disposição do grupo terrorista em atuar como um Estado paralelo dentro da comunidade católica. O crime não teve motivação política. Operário de 33 anos e pai de dois filhos, McCartney era filiado ao Sinn Fein e participava de uma festa do partido em um pub do setor católico de Belfast. Em determinado momento, começou uma pancadaria no bar e Robert tentou impedir que outros participantes da festa – que por acaso eram terroristas do IRA – agredissem um amigo. McCartney morreu esfaqueado. Após o crime, os assassinos destruíram as câmeras de segurança e, antes de fugir, ameaçaram de morte todos os presentes que se arriscassem a contar o que viram à polícia. Pelo menos setenta pessoas estavam no bar, incluindo três dirigentes do Sinn Fein. Nenhuma testemunha se dispôs a colaborar com as investigações.
A intimidação não impediu as cinco irmãs e a namorada de McCartney de exigir publicamente a punição dos culpados. Diante da repercussão do caso, dirigentes do Sinn Fein e do IRA tentaram apaziguar a família. O partido político suspendeu sete militantes, e o grupo terrorista fez uma proposta espantosa à família McCartney: a própria organização se encarregaria de punir os responsáveis com tiros nos joelhos ou nos cotovelos. A proposta foi recusada pelas cinco irmãs, para espanto dos chefões do IRA. Elas mantiveram sua exigência de que os acusados se apresentem à Justiça. "O comunicado do IRA foi um golpe fatal para sua imagem, pois confirma que o grupo abandonou a política e passou a agir como uma organização mafiosa", disse a VEJA o cientista político irlandês Brendan O'Leary, autor de cinco livros sobre o grupo terrorista. A solução derradeira para o conflito entre católicos e protestantes esbarra na recusa do IRA em desarmar-se. Desde que concordaram em cessar os ataques terroristas, há quatro anos, os integrantes do grupo dedicaram-se a usar seu armamento, sua organização e seu sistema de lealdade entre chefes e subordinados para controlar o tráfico de armas, a prostituição e outros tipos de negócios ilegais nos bairros católicos. Fazer justiça com as próprias mãos contra desafetos políticos e ladrões é comum nesse submundo que só respeita as normas próprias. Os métodos de punição vão desde o espancamento e tiros nas articulações até a execução. Nos últimos anos, duas dezenas de pessoas foram mortas em acertos de contas do IRA. Chegou-se ao ponto em que nem os católicos irlandeses agüentam o IRA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário