terça-feira, 4 de agosto de 2009

O IRA depõe as armas

Revista Veja Edição 1 724 - 31 de outubro de 2001



É um desses momentos que ficam marcados nos livros de história: o Exército Republicano Irlandês (IRA), a maior e mais violenta organização terrorista da Europa, vai depor as armas. A decisão de sepultar de vez a luta armada foi anunciada na última terça-feira, em Belfast, e renovou a esperança de uma solução pacífica para a encrenca sangrenta no coração do Primeiro Mundo. A Irlanda é uma ilha de população católica conquistada e colonizada por ingleses protestantes desde o século XVII. Depois de décadas de luta separatista, os católicos fundaram a República da Irlanda, em 1921. Um pequeno enclave ao norte permaneceu ligado à Inglaterra. Ali, os protestantes são maioria e vivem às turras com os católicos. As duas comunidades são separadas por muros e cercas de arame farpado. Enquanto os protestantes querem continuar cidadãos ingleses, os católicos lutam pela fusão com a República da Irlanda. Desde o início dos anos 70, 3.600 pessoas foram mortas por lá.
O que há de pior no rancor nacionalista que divide católicos e protestantes pode ser resumido nestas três letras: IRA. Surgida em 1969, a organização terrorista dedicou-se a matar civis na Irlanda do Norte e na Inglaterra. Em 1984, num de seus atos mais ousados, explodiu um hotel na tentativa de assassinar a primeira-ministra Margaret Thatcher e seu gabinete. Em 1991, o primeiro-ministro John Major escapou de um morteiro atirado contra Downing Street, residência oficial do chefe de governo inglês. A violência do IRA fez surgir vários outros grupos paramilitares, na maioria protestantes, dispostos a vingar cada vítima com a morte de um cidadão escolhido ao acaso na comunidade rival. Apesar de ter declarado várias tréguas no passado, o IRA jamais tinha aceitado depor as armas. A decisão vinha sendo adiada desde 1998, quando a organização anunciou pela última vez uma trégua em troca de um acordo de paz.
O TERROR QUE NÃO CEDE
Carro-bomba que matou 29 pessoas em 1998: terroristas do IRA Autêntico rejeitam acordo


FIM DO ARSENAL
Gerry Adams, presidente do Sinn Fein: pelo acordo de paz

Pelo tratado – apelidado de Acordo da Sexta-Feira Santa – a Irlanda do Norte continuaria parte da Inglaterra, como querem os protestantes, mas seria montado um governo autônomo no qual teriam voz todas as correntes católicas, inclusive o Sinn Fein, partido político que serve de porta-voz do próprio grupo terrorista e se confunde com ele. É irônico que o IRA tenha finalmente sido colocado contra a parede por um atentado terrorista que nada tem a ver com as pendengas irlandesas. Desde os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, o terrorismo virou palavrão até mesmo para os irlandeses-americanos, a sólida comunidade de 40 milhões de descendentes de imigrantes que patrocinava a luta separatista. Esse apoio financeiro e político esvaneceu-se no último mês. Era com o dinheiro dos simpatizantes – estimado em 1 milhão de dólares por ano – que a organização comprava armas e tramava assassinatos. Ficou impossível manter o esquema, agora que os Estados Unidos travam uma guerra global contra o terror.
As relações com os Estados Unidos começaram a azedar em agosto, quando a polícia prendeu três membros do IRA na Colômbia. As investigações mostraram que eles estavam no país para ensinar técnicas de terrorismo urbano às Farc, um movimento guerrilheiro comunista envolvido com o narcotráfico. Como o governo americano está gastando bilhões de dólares para combater o tráfico de drogas e seus aliados guerrilheiros na Colômbia, Washington colocou o IRA na lista de inimigos. O acordo feito para pacificar a Irlanda do Norte exigia que o terrorismo fosse desarmado. A decisão só foi tomada quando faltavam dois dias para se cumprir um ultimato do governo inglês. Se não entregassem as armas, todas as instituições criadas pelo Acordo da Sexta-Feira Santa, incluindo o governo provincial e o Parlamento, seriam dissolvidas. Ficaria a cargo da Inglaterra optar por novas eleições ou que Londres voltasse a governar diretamente a Irlanda do Norte. Como todas as pesquisas mostravam que uma eleição seria favorável aos extremistas, de ambos os lados, era tido como certo que os ingleses escolhessem assumir diretamente o governo do território.
Diante de cenário tão adverso, o presidente do braço político do IRA, Gerry Adams, cedeu na questão do arsenal. A sensação de alívio na província foi imediata. O governo inglês mandou demolir dois postos militares na Irlanda do Norte e anunciou a redução de tropas na região. O gesto histórico ainda está longe de significar o fim integral da violência na Irlanda do Norte. Os paramilitares protestantes hesitam em entregar suas armas. Do lado católico, restam grupelhos exaltados, como o IRA Autêntico, que se separou da organização principal nos anos 90 e continua mais ativo do que nunca. Responsável pelo maior atentado na Irlanda do Norte, que matou 29 pessoas e feriu mais de 200 na cidadezinha de Omagh, em 1998, o grupo explodiu só neste ano duas bombas no centro de Londres. A questão é até quando eles sobreviverão, agora que acabou a tolerância mundial ao terrorismo.

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