terça-feira, 4 de agosto de 2009

Perguntas e Respostas - Irlanda do Norte

Revista Veja Especial Maio de 2007




Em 8 de maio de 2007, uma histórica cerimônia em Belfast deu início a um novo governo de união na província britânica da Irlanda do Norte. Depois de décadas de conflitos sanguinolentos, os protestantes do Partido Unionista Democrático e os católicos do Sinn Fein concordaram em dividir o poder (na foto, a primeira reunião do governo, com o vice-premiê católico Martin McGuinness e o premiê protestante Ian Paisley). O acerto tem a bênção da Inglaterra, que hoje administra a Irlanda do Norte. O governo conjunto pode consolidar a estabilização a Irlanda do Norte - a província vive desde 1998 sob um acordo de paz que praticamente acabou com o terrorismo e a violência sectária. Desde 1969, 3.600 pessoas morreram por causa da luta entre os dois lados - a maioria, vítima de atentados do IRA, braço armado dos católicos. Entenda as origens do conflito e os termos do atual acordo de paz:
2. Quais foram as conseqüências da divisão da Irlanda?
3.
O que querem os católicos?
4.
E o que reivindicam os protestantes?
5.
O que é o IRA?
6.
Quem são os personagens centrais de cada grupo hoje?
7.
Quais foram os principais episódios dessa luta sectária?
8.
Qual é a posição de Londres?
9.
Qual a posição das principais nações do mundo diante dessa questão?
10.
Há perspectiva de resolução do conflito irlandês?


1. Qual é a origem do conflito na Irlanda do Norte?
Ainda que ingleses e irlandeses tenham se enfrentado desde o século XII, quando o monarca inglês Henrique II conquistou e anexou a ilha da Irlanda por um curto período de tempo, o atual conflito tem origem nos séculos XVI e XVII. Paralelamente ao seu rompimento com o Vaticano - que fundou o Anglicanismo - a dinastia Tudor lançou a Inglaterra a uma nova tentativa de conquista da Irlanda. O sucesso da empreitada submeteu os irlandeses - católicos desde sua origem - ao governo de ingleses protestantes. A partir daí, milhares de colonos ingleses estabeleceram-se na ilha - especialmente na província de Ulster, no norte do território - discriminando, perseguindo e expulsando os nativos. Nas primeiras décadas do século XX, revoltas sucessivas resultaram na divisão da ilha: os católicos conseguiram a independência da República da Irlanda (Eire) em 1921, mas alguns condados do norte, onde os protestantes eram - e ainda são - maioria, continuaram atrelados à Inglaterra.
2. Quais foram as conseqüências da divisão da Irlanda?
A divisão do território irlandês não satisfez a população católica do Ulster, forçada a continuar sob domínio britânico. Os mais exaltados deste grupo nacionalista partiram para a luta armada, incluindo o terrorismo. Extremistas protestantes responderam à altura. Desde o fim dos anos 60 confinadas em bairros separados por muros e cercas de arame farpado - na capital Belfast e em outras cidades importantes -, as duas comunidades trocam tiros e bombas. Neste período, mais de 3.600 pessoas foram mortas.
3. O que querem os católicos?
Os católicos da Irlanda do Norte, também conhecidos como republicanos, desejam o mesmo que os seus vizinhos do sul conseguiram - independência do Reino Unido. Seu objetivo final é integrar os condados que permaneceram sob controle da coroa britânica ao resto da República da Irlanda, acabando com a divisão territorial da ilha. Até 1998, a própria Constituição da República da Irlanda estabelecia que era um dever do país lutar pela anexação do norte protestante. O catolicismo é visto como ponto essencial desta questão pois serviu como catalisador da identidade nacional irlandesa durante a resistência contra a ocupação e as lutas pela independência.
4. E o que reivindicam os protestantes?
Ao contrário dos católicos, os protestantes, tradicionalmente chamados de unionistas por sua vontade de permanecerem unidos à Grã-Bretanha, desejam que a situação continue como está. Querem manter-se cidadãos britânicos. Mas não querem, para isso, deixar o território irlandês, onde, apesar de sua origem britânica, muitas famílias estão estabelecidas há séculos.
5. O que é o IRA?
A organização terrorista mundialmente conhecida como IRA (Exército Republicano Irlandês, na sigla em inglês) surgiu no ano de 1969, reivindicando para si o legado do IRA original - o exército que lutou contra a Inglaterra e conquistou a independência do Eire em 1921. Ao dedicar-se a matar civis na Irlanda do Norte e na Inglaterra, com explosões ou ações armadas, o IRA deu um caráter extremista à causa dos católicos republicanos. Em 1984, num de seus atos mais ousados, o grupo explodiu um hotel na tentativa de assassinar a primeira-ministra Margaret Thatcher. Já em 1991, o primeiro-ministro John Major escapou de um morteiro atirado contra a residência oficial do chefe de governo inglês. A violência do IRA, que sempre contou com o apoio financeiro de americanos descendentes de irlandeses, fez surgir vários outros grupos paramilitares, na maioria protestantes, dispostos a vingar suas vítimas. Atualmente, o IRA abandonou a luta armada, tendo mantido-se ativo apenas por meio de seu braço político, o partido Sinn Féin, católico de orientação marxista.
6. Quem são os personagens centrais de cada grupo hoje?
Pelo lado protestante, o grande líder da comunidade unionista hoje é o reverendo Ian Paisley, que assumiu o cargo de primeiro-ministro do governo autônomo da Irlanda do Norte de maio de 2007. Líder do principal partido unionista do país, o DUP (Democratic Unionist Party), e membro do Parlamento britânico desde 1970, o reverendo é também o fundador da Igreja Presbiteriana Livre de Ulster. Entre os católicos, destaca-se a figura do ex-comandante do IRA e atual vice-premiê norte-irlandês, Martin McGuiness. Após co-liderar ações violentas do grupo nos anos 1970, McGuiness abandonou as armas e tornou-se figura proeminente do Sinn Féin. Antes de assumir o gabinete compartilhado com os protestantes, foi ministro da Educação entre 1999 e 2002. Ainda pelo lado católico, tem papel central o líder Gerry Adams, presidente do Sinn Féin e importante negociador do processo de paz.
7. Quais foram os principais episódios dessa luta sectária?O período de escalada da violência na Irlanda do Norte, que recebeu o nome de "The Troubles" (os problemas), teve início no fim dos anos 60, quando a Associação de Direitos Civis do país, organização majoritariamente católica, promoveu uma série de marchas de protesto em todo o território, reivindicando igualdade de condições políticas entre católicos e protestantes. Diversas destas marchas terminavam em quebra-quebra e confrontos entre manifestantes e a polícia, leal à coroa britânica. Uma destas marchas, na cidade de Derry, em 1972, terminou em tragédia quando soldados britânicos abriram fogo contra os civis católicos, matando 14 deles. A partir do episódio, conhecido como Domingo Sangrento, o Reino Unido suspendeu a autonomia do Ulster e fechou a Assembléia Nacional norte-irlandesa. Em resposta, o IRA iniciou uma série de ações terroristas que só terminariam em 1998. Em 1972, tendo matado já mais de 100 soldados britânicos, o grupo explodiu 22 bombas no centro de Belfast, no dia chamado por alguns de Sexta-Feira Sangrenta. Onze pessoas morreram e 130 ficaram feridas. Seguiram-se quase 30 anos de conflitos entre o IRA e grupos paramilitares protestantes. Entre os episódios famosos, destacaram-se ainda o bombardeio do Rememberance Day, em 1987; a explosão de um shopping em Londres em 1996, que matou duas pessoas e causou centenas de milhões de dólares de prejuízos; e a explosão de um carro-bomba na cidade de Omagh em 1998, por dissidentes do IRA que se opuseram a um cessar-fogo assumido pelo grupo meses antes - o ataque matou 29 civis e feriu mais 330.8. Qual é a posição de Londres?
Oficialmente, o governo britânico afirma nunca ter tomado parte em nenhum dos lados do conflito, e diz que todas as suas ações - políticas ou militares - na região sempre tiveram o único intuito de manter a lei e a ordem. Para os católicos da Irlanda do Norte, entretanto, a polícia britânica foi vista como o inimigo a ser derrubado durante boa parte dos últimos 30 anos. Embora nunca tenha sinalizado claramente que o Ulster pode vir a ser independente no futuro, existe em Londres atualmente um movimento de conceder autonomia cada vez maior aos outros três países do Reino Unido - Escócia, Gales e Irlanda do Norte. No fim dos anos 90, o governo de Tony Blair aprovou a criação de Legislativos autônomos para os três.

9. Qual a posição das principais nações do mundo diante dessa questão?
Por ser um conflito que envolve pontos muito específicos, de origem historicamente antiga, não há no resto dos países do mundo, especialmente entre as potências, uma divisão de posicionamento a favor de uma ou outra comunidade da Irlanda do Norte - todos repudiam a violência sectária, mas se mantêm em posição de neutralidade (ao contrário do que acontece com questões mais atuais, como a criação do estado de Israel, que até hoje divide o mundo entre pró-árabes e pró-judeus). A neutralidade, entretanto, não impediu que durante os anos de maior violência, a sólida comunidade de 40 milhões de norte-americanos descendentes de irlandeses patrocinasse a luta separatista de grupos como o IRA. Estima-se que a organização recebia 1 milhão de dólares por ano vindos dos EUA. O mesmo IRA chegou a receber polpudas doações de armamentos e munição do ditador líbio Muamar Khadafi nos anos 80. Desde os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono em 11 de setembro de 2001, porém, o terrorismo virou palavrão até mesmo para os irlandeses-americanos. O próprio IRA abandonou definitivamente as armas em 2005. Ficou impossível manter o esquema enquanto os Estados Unidos e a Grã-Bretanha travavam uma guerra global contra o terror.

10. Há perspectiva de resolução do conflito irlandês?
O último grande passo dado em direção ao fim da luta sectária entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte foi o Acordo da Sexta-Feira Santa, assinado em abril de 1998, no qual Londres aceitou um governo autônomo na província, com a eleição de uma Assembléia e de um Executivo com representação proporcional das duas comunidades. Pelo acordo, qualquer nova decisão sobre a soberania na Irlanda do Norte precisaria ser submetida a plebiscito. O católico John Hume e o protestante David Trimble, dois líderes moderados signatários do pacto, até dividiram o Prêmio Nobel da Paz naquele ano. Em contrapartida, a República da Irlanda (Eire), retirou de sua Constituição o dever de anexar o norte protestante. A instabilidade, contudo, se manteve após o acordo. Com facções radicais do IRA ainda na ativa e denúncias de espionagem no governo por parte dos dois lados, o governo compartilhado fracassou em 2002. Muito pela insistência dos governos de Londres e de Dublin, a Irlanda do Norte voltou a ter sua Assembléia em 2007, eleita pela população e composta por membros das duas comunidades rivais, que se comprometeram a resolver suas discórdias pela via política. A diferença entre o novo governo e as tentativas anteriores de unir católicos e protestantes sob o mesmo gabinete é que, desta vez, foram os líderes dos grupos mais extremos que aceitaram dividir o poder, e não os mais moderados.
11. Católicos e protestantes vão dividir o poder na Irlanda do Norte?
Sim. Em 8 de maio de 2007, o protestante Ian Paisley e o católico Martin McGuiness assumiram o gabinete como primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro respectivamente, e deram início à mais promissora tentativa de governo conjunto na Irlanda do Norte. Não apenas o Executivo passou para as mãos dos irlandeses do norte, como também o Legislativo - a Assembléia de Stormont, na capital Belfast, voltou a funcionar. A cerimônia que marcou o início do novo período autônomo do Ulster deve entrar para a história como o último grande ato do combalido Tony Blair, que trabalhou para que a situação se estabilizasse na ilha vizinha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário