terça-feira, 11 de agosto de 2009

Região é marcada por divisões históricas


A República do Kosovo, após se separar da Sérvia, é o mais novo país dos Bálcãs
Podemos considerar os Bálcãs uma das regiões mais complicadas da Europa, e isso há muitos séculos. Uma série de conflitos marca a história da região, sendo que o último episódio, a independência de Kosovo (que se separou da Sérvia), em fevereiro de 2008, fez com que, mais uma vez, o mundo voltasse sua atenção para os Bálcãs. A localização geográfica da Península Balcânica nos ajuda a entender muito do processo histórico dessa região: situada no sudeste europeu, essa península é um dos principais caminhos entre a Ásia e a Europa. Ali, as culturas ocidental e oriental - e seus respectivos interesses políticos e econômicos - chocaram-se diversas vezes. Vários países compõem hoje a região: Albânia, Grécia, parte da Turquia na Europa, Romênia, Bulgária, além das repúblicas que compunham a ex-Iugoslávia: Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia, Sérvia e, desde fevereiro de 2008, Kosovo. Vamos nos concentrar na história desses últimos sete países, a ex-Iugoslávia.
Durante a Alta Idade Média, tribos eslavas, vindas da Europa Central, passaram a ocupar os Bálcãs. Essas tribos eram, principalmente, sérvios, croatas e eslovenos; e, a partir do século 7, já ocupavam territórios mais ou menos definidos e organizavam seus próprios governos. Mas é importante lembrar que, desde o século 4, a região tinha sido determinada como marco divisor entre as duas partes do Império Romano. Por isso, no século 9, os sérvios que se localizavam ao leste da região foram convertidos ao cristianismo ortodoxo, sob influência de Constantinopla (Império Bizantino), enquanto os eslovenos e os croatas se converteram à religião católica romana. Assim, apesar de serem povos de mesma origem étnica, os eslavos dos Bálcãs foram se diferenciando. Por exemplo: a Sérvia e a Croácia, apesar de falarem a mesma língua, o servo-croata, adotaram alfabetos diferentes: os sérvios, o alfabeto cirílico; os croatas, o alfabeto latino.Entre os impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano. Entre os séculos 7 e 14 os eslavos dos Bálcãs lutaram para estabelecer suas fronteiras, cabendo aos sérvios a preponderância nesse processo. No século 12, a Eslovênia e a Croácia foram dominadas pela dinastia Habsburgo, do Sacro Império Romano-Germânico(parte do qual viria e se chamar Império Austro-Húngaro séculos depois), enquanto a Sérvia, que fazia parte do Império Bizantino, enfrentou problemas com a expansão turco-otomana na Ásia e Europa, no século 14. Em 1389 os sérvios foram vencidos na Batalha de Kosovo-Polie e dominados pelos turco-otomanos (seguidores da religião islâmica). A região de Kosovo tinha forte significado para os sérvios, pois era sede de seus patriarcas (líderes religiosos da religião ortodoxa). A população sérvia de Kosovo, fugindo do domínio islâmico, se refugiou nas outras regiões eslavas: Croácia e Eslovênia, principalmente, mas também em Voivodina, na Hungria (todas essas regiões faziam parte do Império Habsburgo). A partir de então o domínio islâmico se ampliou nos Bálcãs. Os turcos, sem condições de controlar todos os territórios que dominavam na Ásia e na Europa, estimularam a conversão à fé islâmica, permitindo aos convertidos o direito de fazer parte da administração de seu império. Os sérvios que se converteram passaram a se autodenominar bósnios. Os albaneses convertidos foram estimulados a ocupar Kosovo. Já os sérvios de Montenegro, região protegida por montanhas, conseguiram manter sua autonomia. Essa situação de migração, tanto de refugiados sérvios quanto de albaneses e sérvios islamizados, vai se tornar o principal ponto da luta nacionalista dos séculos 19, 20 e 21.

Da partilha sob os nazistas a Josip Broz Tito
A fundação do Reino da Iugoslávia, em 1929, foi uma tentativa de encobrir e controlar as inúmeras e profundas diferenças da região dos Bálcãs, procurando reunir "os eslavos do sul" num único Estado. Mas essa unificação se mostrou impossível ao longo do tempo, pois os diversos povos da região não esqueceram suas antigas rivalidades. Em 1939, o rei Alexandre 1º (sérvio) foi assassinado por um nacionalista croata, e o príncipe Paulo assumiu como regente. Para complicar a situação, nesse mesmo ano estourou a Segunda Guerra Mundial - e em 1941 o governo da Iugoslávia se rendeu à Alemanha. Não aceitando tal situação, a população se rebelou, principalmente em Belgrado (Sérvia), o que levou a um maciço bombardeio dos alemães sobre a região e à fuga da família real para Londres.

Divisões e Rancores Nacionalistas
O Reino da Iugoslávia foi vencido e seu território dividido entre os países do Eixo. O croata defensor do nazifascismo, Ante Pavelic, passou a governar a Croácia, estabelecendo um governo pró-Alemanha, além de anexar grande parte da Bósnia-Herzegovina. A Eslovênia foi dividida entre alemães e italianos; a Sérvia foi ocupada por alemães; Montenegro, Kosovo, Dalmácia (na Croácia) e parte da Macedônia foram dominadas pela Itália; Voivodina foi entregue à Hungria. Ao mesmo tempo, vários conflitos étnicos varreram a região: sérvios, croatas, albaneses e bósnios aproveitaram a situação e deixaram florescer seus rancores nacionalistas - mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas.Na luta contra a ocupação do Eixo, dois grupos da resistência eslava se destacaram: os "chetniks", liderados pelo sérvio Draza Mihaïlovic, que eram hostis às outras nações eslavas; e os "partisans", do croata
Josip Broz, líder comunista conhecido como Tito, e que tinha como princípio a não exclusão étnica praticada pelos "chetniks".Tito recebeu apoio tanto de soviéticos quanto de ingleses, e dessa forma conseguiu expulsar as tropas do Eixo. Em outubro de 1945, com o final da guerra, a Assembléia recém-formada proclamou o nascimento da República Popular Federativa da Iugoslávia, declarando Tito seu governante e adotando o modelo socialista de governo, com o apoio da URSS.

TITO E A NOVA IUGOSLÁVIA
A República Iugoslava foi formada por 6 repúblicas federativas (Eslovênia, Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Macedônia) e 2 regiões autônomas (Voivodina e Kosovo, na Sérvia), com suas 2 nacionalidades reconhecidas (húngara e albanesa, respectivamente), sendo que cada uma das unidades da federação tinha certa autonomia em seus assuntos internos, inclusive com presidentes próprios.Nessa nova organização política, a Sérvia perdia todo o controle que detinha anteriormente: passava a ser um república como as outras 5 e teria que aceitar a diminuição de seu controle sobre Kosovo e Voivodina.O carisma e a autoridade de Tito garantiram que as rivalidades entre os eslavos ficassem em segundo plano. A repressão do governo a qualquer movimento étnico nacionalista foi violenta. E como só existia um partido, a Liga dos Comunistas da Iugoslávia, a imposição do ideal socialista acima das questões nacionais abrandou as tensões internas.Em plena Guerra Fria, Tito queria para a Iugoslávia um governo socialista diferente da URSS. Nas suas palavras: "Conciliar socialismo e liberdade". Surgiu daí um novo modelo socialista, chamado de titismo. Tal postura acabou levando ao rompimento entre Tito e Stálin(ditador soviético), em 1948. A Iugoslávia passou a ser, então, o único país do Leste Europeu aberto a negociações com o ocidente capitalista, além de liderar, junto com a Índia, a Indonésia e o Egito, o bloco dos países não-alinhados.Os investimentos que começaram a chegar do ocidente, principalmente dos EUA, permitiram a Tito reconstruir seu país, o que foi uma forma de amenizar as discórdias entre os eslavos.A Iugoslávia passou a ser vista como um modelo de regime socialista no mundo. Mas isso só foi possível graças à grande censura exercida pelo titismo. Na realidade, as coisas não estavam bem e iriam piorar depois da morte do grande líder Tito.

O Período pós-Tito
Quando Josip Broz Tito faleceu, em 1980, os nacionalismos eslavos se reacenderam e a unidade política da Iugoslávia só se manteve por mais uma década.Desde 1974, uma forma colegiada de governo havia sido implantada: representantes de cada uma das 6 repúblicas e das 2 regiões autônomas ocupariam o cargo de Chefe do Governo da Iugoslávia por um ano, rotativamente, garantindo a igualdade entre as federações, inclusive ampliando a autonomia de Kosovo e Voivodina. Até 1980, Tito era o líder supremo do país, o que manteve a unidade da Iugoslávia. Mas, depois de sua morte, essa forma colegiada de governo se mostrou ineficaz, pois os governantes nada podiam fazer em tão pouco tempo de mandato. Assim, o poder central foi sendo deixado de lado, ao mesmo tempo em que cresciam os poderes dos presidentes de cada região e os seus respectivos anseios de liberdade.

Problemas econômicos e fim do socialismo
questão nacionalista somava-se a grave situação econômica: em torno de 50% da população iugoslava vivia em extrema pobreza. Em 1980, a inflação era de 40% ao ano. Para tentar contornar esse problema, Tito já havia criado, na década de 1960, um Fundo de Solidariedade, segundo o qual as regiões mais ricas deveriam ajudar as mais pobres. Por exemplo, Kosovo, muito pobre, recebia do Fundo de Solidariedade mais de um milhão de dólares por dia. Por sua vez, a Eslovênia, república mais rica, que se opunha ao Fundo de Solidariedade, aproveitou da crise pós-Tito para iniciar seu processo de independência. Os problemas internos da Iugoslávia se agravaram quando o modelo socialista de governo começou a ruir no Leste Europeu: se o "povo iugoslavo" nunca existiu de fato, agora o socialismo não apresentava mais soluções para os problemas da Iugoslávia. A proposta de transparência política do líder soviético Mikhail Gorbachev, incentivou vários países do Leste Europeu, submetidos a ditaduras socialistas, a lutarem por maior autonomia política. Nesse processo, o sistema de partido único da Iugoslávia se desintegrou. Em 1990 foram realizadas eleições em todas as federações iugoslavas e somente na Sérvia e em Montenegro venceram políticos que defendiam a manutenção da unidade iugoslava.

Slobodan Milosevic e o sonho da Grande Sérvia
A desintegração da Iugoslávia não interessava aos sérvios, já que minorias sérvias se encontravam por toda parte da Iugoslávia. Além disso, se as regiões se separassem, a Sérvia afundaria numa grande crise, pois não teria o apoio econômico da Eslovênia e da Croácia.Dessa forma, o nacionalismo sérvio se reacendeu e encontrou no político seu principal líder. Milosevic ascendeu rapidamente em sua carreira política, ao defender a supremacia da Sérvia dentro da Iugoslávia e ao se colocar contra a independência de Kosovo, região autônoma da Sérvia, cuja maioria da população é de origem albanesa.Desde a década de 1960 Kosovo demonstrava sua insatisfação por estar submetida à Sérvia. Em 1968, estudantes da Universidade de Prístina se rebelaram, mas foram silenciados pela ditadura de Tito. Com a morte do ditador, em 1981 uma nova rebelião de estudantes e operários aconteceu - e, nesse episódio, a população sérvia de Kosovo passou a ser violentamente atacada pelos albaneses. Os sérvios consideram Kosovo o berço de seu povo, pois ali havia sido a sede de todo patriarcado sérvio na Idade Média (os sérvios, tendo se convertido à religião cristã ortodoxa na Idade Média, receberam o direito de ter seu próprio patriarcado, o que significava sua autonomia religiosa e política reconhecida pelo Império Bizantino). A imprensa sérvia noticiou com grande ênfase os massacres dos sérvios em Kosovo, o que fez aumentar o ódio da população sérvia espalhada por toda Iugoslávia. Nas eleições de 1990, enquanto que na Eslovênia e na Croácia políticos democratas chegavam ao poder, Milosevic, na Sérvia, impôs uma emenda constitucional que reintegrava Kosovo e Voivodina (de maioria húngara) ao controle sérvio, determinando inclusive que o ensino do albanês e do húngaro fossem proibidos nas escolas das regiões. As reações a tal atitude dos sérvios não tardariam: a Eslovênia e a Croácia, que nunca aceitaram uma autoridade sérvia, se proclamaram independentes. A Sérvia reagiu violentamente, invadindo seus territórios. Dessa forma, tiveram início dois dos mais terríveis conflitos étnicos na Europa pós-Segunda Guerra: a Guerra da Bósnia e a Guerra de Kosovo.

Conflitos étnicos nos Balcãs
As guerras da Bósnia e de Kosovo
No início de 1991, a Iugoslávia tinha como presidente um sérvio e, segundo o que estabelecia a forma colegiada de governo, que obedecia à sucessão rotativa da presidência, um representante da Croácia deveria substituí-lo. O presidente sérvio, contudo, não aceitou o político croata escolhido, e se manteve na presidência.A Eslovênia, então - manifestando-se contra a Sérvia na questão da sucessão presidencial e a favor da independência de Kosovo (submetida, a partir daquele mesmo ano, novamente à Sérvia), se declarou independente da Iugoslávia, no que foi seguida pela Croácia e pela Macedônia. Como reação, tropas do Exército Federal, composto por soldados da Sérvia e de Montenegro, invadiram as repúblicas da Eslovênia e da Croácia, onde se encontram minorias de origem sérvia.Na Eslovênia, a guerra durou pouco tempo (ficou conhecida como Guerra dos Dez Dias), mas na Croácia a situação foi bem mais complicada, pois a população sérvia da Croácia não aceitou a independência da região e passou a ser armada pelas tropas federais. Ao mesmo tempo, croatas que habitavam a Bósnia-Herzegovina se lançaram na guerra do lado da Croácia.

Guerra da Bósnia
Em março de 1992 foi a vez da Bósnia-Herzegovina também se declarar independente.Slobodan Milosevic, que culpava Josip Broz Tito(um croata) pela situação de crise que a Sérvia vivia, investiu com todas as suas forças contra croatas e bósnios. Sarajevo, capital da Bósnia, foi cercada - e por vários meses os moradores da cidade passaram por situações críticas: o fornecimento de água, eletricidade e aquecimento foi cortado e a ajuda humanitária que chegava até eles não bastava para suprir as carências de toda a população. As tropas federais (melhor seria dizer, da Sérvia) chegaram a ocupar 70% do território bósnio. Nesse conflito, conhecido como Guerra da Bósnia, a limpeza étnica foi um dos principais objetivos. E aqui não existem "mocinhos e bandidos": dos dois lados as atrocidades praticadas foram enormes. Mas como as tropas sérvias eram muito melhor armadas, bósnios e croatas foram os que mais sofreram. Parecia que o mundo assistia impassível ao conflito que dilacerava os Bálcãs. No clima de final de Guerra Fria, a Rússia passava por uma enorme crise, enquanto os EUA, que estavam saindo da Guerra do Golfo(1990-1991), relutavam em participar de mais um conflito. A Europa, acostumada, por anos, à submissão às ordens da OTAN ou do Pacto de Varsóvia, somente impôs um bloqueio econômico à Sérvia. Diante dessa conjuntura, o presidente dos EUA, Bill Clinton, mesmo violando acordos internacionais, começou a armar tropas da Croácia, que acabaram vencendo os sérvios em Krajina. Tal vitória forçou os líderes da Sérvia, da Croácia e da Bósnia a buscarem uma negociação de paz, selada em novembro de 1995: Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia seriam países independentes, enquanto a Iugoslávia seria formada por Sérvia (incluindo Kosovo e Voivodina) e Montenegro (que em 1996 se tornou independente).

Guerra no Kosovo
Contudo, mesmo assim, depois de os Bálcãs estarem supostamente em paz, um problema ainda não havia sido resolvido: a questão de Kosovo. Em 1996, os albaneses de Kosovo formaram o Exército de Libertação de Kosovo e passaram a lutar por sua independência. A Sérvia reagiu violentamente a tal manifestação e, em 1996, estourou mais um sério conflito separatista e étnico na região: a Guerra de Kosovo.
Mais uma vez as tropas internacionais tardaram a chegar: depois de muita negociação e bloqueios econômicos, somente em 1999 a OTAN interferiu no conflito - e por 78 dias bombardeou impiedosamente a região. Em média, os países da OTAN gastaram US$ 64 milhões por dia de conflito, o que permite perceber o enorme e moderno aparato bélico usado. Milosevic foi obrigado a se render. Um ano depois, o líder sérvio foi preso e entregue ao Tribunal de Haia, para ser julgado por crimes de guerra e contra a Humanidade. Desde então, Kosovo passou a ser uma região protegida pelas Nações Unidas e pela OTAN (cerca de 28 mil soldados foram deslocados para a província). Até que, em fevereiro de 2008, o governo de Kosovo declarou sua independência, sem que tal atitude tenha sido aceita pela Sérvia.Tal episódio dividiu o mundo. Os EUA e parte da Comunidade Européia apóiam Kosovo, mas a Rússia e a Espanha apóiam a Sérvia, pois temem que o exemplo separatista kosovar estimule grupos separatistas em seus próprios territórios. As peças do xadrez da política internacional estão se movimentando... e a questão ainda não está resolvida.

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